Raul Soares
(Por Carmo Chagas – publicado na edição nº 771, de 12/02/2014)
Filho de coronel da Guarda Nacional, Raul Soares de Moura nasceu em 07 de agosto de 1877, em Ubá. Fez os primeiros estudos em mariana, Barbacena e Outro Preto, e estudou na Faculdade de Direito ouro-pretana até o terceiro ano, quando se transferiu para São Paulo, onde completou o curso em 1900, na mesma turma de Artur Bernardes, parceiro inseparável desde os bancos escolares.
Antes mesmo de se formar, já estava nomeado promotor de Carangola, próximo a divisa com o Espírito Santo, região turbulenta, na época. Já conhecido como alguém de fibra, o recém-formado Raul Soares assumia o cargo com a missão de pacificar a política municipal. Nos três anos passados em Carangola, foi também delegado de polícia, por um tempo. Ambientou-se tão bem que pensou em fixar-se na cidade, como advogado.
Havia feito, no entanto, concurso para catedrático de português no Ginásio Estadual de Campinas (SP). Aprovado, mudou para lá, em 1904. Foram anos de intensa atividade intelectual, com artigos literários e políticos na imprensa paulista. Num deles, contra a revisão da Constituição de 1891, discordava de artigos escritos em Minas por seu amigo Artur Bernardes. Essa presença na área cultural resultou em convite para participar da fundação da Academia Paulista de Letras. Ocupou a cadeira n° 26 e escolheu Euclides da Cunha como patrono.
Voltou a Minas em 1910, para assumir o controle da política da região de Ubá e Visconde do Rio Branco, vaga com a morte de seu irmão Carlos. Foi vereador, presidente da Câmara e prefeito de Visconde do Rio Branco, antes de se eleger deputado estadual para a legislatura 1911-1914. Na capital, foi também professor de Direito Constitucional na Faculdade Livre de Direito.
Em 1914, no governo de Delfim Moreira, exerceu o cargo de secretário da Agricultura. Dali, desenvolveu articulação permanente para garantir a eleição de seu amigo Artur Bernardes, para o período 1918-1922. A vitória de Bernardes significou a permanência de Raul Soares no governo, agora da Secretaria do Interior.
Raul Soares era um administrador duro, severo. Chegava a ser ríspido. Um episódio ilustrativo de seu estilo ocorreu no início de julho de 1924, quando ele era governador de minas e já estava muito doente. Na ocasião, São Paulo se insurgiu contra o governo federal, presidido por Artur Bernardes. Houve combates em várias capitais. Em Belo Horizonte, Raul Soares convocou uma reunião na madrugada do dia 06, no Palácio da Liberdade. Lá estavam os principais secretários e os oficiais superiores da polícia militar, ocupados em montar a defesa de Minas, que apoiava o governo central.
A certa altura, Raul Soares começou a distribuir as funções dos militares e um coronel percebeu que outro oficial estava escalado para assumir o seu lugar no comando de um quartel. Começou então a falar: “Peço licença para fazer algumas ponderações a Vossa Excelência”, mas foi bruscamente interrompido por Raul Soares. “ O senhor não foi convocado para fazer ponderações, mas sim para ser informado de que foi destituído do comando de seu batalhão.”
Foi por este temperamento decidido, certamente, que o presidente Epitácio pessoa escolheu Raul Soares, em 1919, como um dos dois civis destinados a ocupar as pastas militares. Coube-lhe o Ministério da Marinha, pela primeira vez e única dirigido por um civil, ficando Pandiá Calógeras com o Ministério da Guerra (já dirigido pelo civil Afonso Pena, no Império).
Raul Soares impôs-se na marinha graças a uma administração eficiente e atenta. Algumas de suas realizações: intensificação da defesa submarina; desenvolvimento da aviação naval; remodelação da frota em geral; uso de carvão nacional para desenvolver o crônico problema da falta de combustível; reaparelhamento do arsenal.
Ao sair do Ministério da Marinha, elegeu-se senador. No Senado, como já se dera ao tempo de secretário das Agricultura, em Minas, ocupou-se especialmente de articular a eleição de Artur Bernardes, agora para a presidência da República. Toda a crônica política da época apontou a habilidade de Raul Soares como fundamental para neutralizar os violentos ataques desfechados péla oposição a Bernardes.
Ao mesmo tempo – e sempre em parceria com Bernardes –, articulava sua própria eleição pára o governo de Minas, os dois tomaram posse em 1922, Bernardes na presidência da República, Raul Soares na presidência de Minas. O duplo poder deveria assegurar, para eles, uma hegemonia consistente e duradoura na vida política brasileira. Mas esse apogeu teve curta duração. A saúde de Raul Soares, que nunca fora boa, começou a piorar a partir do segundo ano de governo.
O escritor e crítico literário Agripino Grieco contava que o viu num restaurante do Rio, já nos tempos de governador. Sempre cismado com o aspecto pouco saudável do político mineiro, Grieco resolveu prestar atenção no que Raul Soares comia. Descreveu o escritor, com a habitual irreverência: “Raul levada minutos colocando sobre a mesa as pílulas, pós e conta-gotas, que retirava do bolso. A disposição da farmacologia assemelhava-se à formação de um exército de soldados de chumbo, dispostos nos pontos estratégicos. Após a operação, não havia espaço para um ovo estrelado…”
Raul Soares se afastou do governo em fins de 1923, para um tratamento de saúde. Reassumiu em abril do ano seguinte, com aparência sadia. Dois meses depois, entretanto, reacendiam-se os boatos de que poderia morrer a qualquer momento. Desde o começo de 1924, na Câmara dos Deputados, no Rio, e na Assembleia Legislativa, em Belo Horizonte, parlamentares fiéis ao governo trataram de desmentir o boato. Mas bastava passar pelas vizinhanças do Palácio da Liberdade, luzes acesas noite adentro, entra e sai de médicos o dia todo, para se ter certeza da veracidade dos boatos. Mais um pouco e os boletins médicos confirmavam a gravidade do caso: problemas gástricos, renais, nervosos. Ao anoitecer de 04 de agosto, finalmente, a notícia de que o governador Raul Soares acabara de falecer.
Causo
Na década de 1950, um candidato a vereador escreveu nos muros do bairro da Floresta, em Belo Horizonte: “Nasci na Floresta. Cresci na Floresta. Sempre vivi na Floresta. Morrerei na Floresta”.
Um gaiato logo acrescentou: “Pode matar que é bicho”.
Beirando os 100 anos de idade. Adoeceu um venerando chefe político da serra da Mantiqueira, leal correligionário de Delfim Moreira e Venceslau Brás. Uma das filha levou-lhe uma sopa.
– Não tomo, não. Não gosto de sopa.
– Esta aqui está uma delícia. É do outro mundo.
– Do outro mundo? Então vou tomar, para ir me acostumando.
Melo Viana, presidente de Minas de 1924 a 1926, foi visitar o Hospital Raul Soares, para doentes mentais, recém-inaugurado em Belo Horizonte. Ficou penalizado ao reconhecer um amigo de infância num dos quartos. O amigo também o reconheceu.
– Fernandinho, que alegria! O que você anda fazendo?
– Sou o presidente de Minas.
– Fala baixo, Fernandinho. Se os médicos escutarem, não deixarão você sair daqui.