Mário de Souza Marques Filho, o Noite Ilustrada
Nascido em Pirapetinga no dia 10 de abril de 1928, precisamente às 18h15min, quando aquele município ainda era um distrito de São José de Além Paraíba, Mário de Souza Marques Filho era filho de Alexandrina Maria da Conceição e Mário de Souza Marques. Antes de nascer o menino, o pai havia se separado da mãe e mudara-se para o Rio de Janeiro, e a mãe, tão logo passou o tempo suficiente para manter o resguardo, deixou a criança com a avó, Quirina Maria da Conceição, seguindo para o Rio em companhia de uma família que a empregara como doméstica.
Os primeiros anos em Pirapetinga foram vividos numa humilde casa de taipa com chão de barro batido, no bairro Buraco Quente. A avó Quirina lavava roupas a troco de uns réis e um prato de comida e sua grandeza era a dedicação ao neto. Ao completar cinco anos, Mário veio conhecer a mãe, que resolveu mudar-se para Porto Novo do Cunha, como era mais conhecida Além Paraíba, levando a avó e o garoto quando este completou oito anos. Em terras alemparaibanas a humilde família foi morar no Morro da Conceição, mais precisamente na Grota, onde Alexandrina estabeleceu-se com uma pequena pensão para pessoas selecionadas.
A casa nova de tijolo, embora alugada, a escola particular na casa de Dona Judite, os novos amigos, tudo era novidade para o garoto que pouco queria saber de estudos. Em Além Paraíba fez de tudo um pouco, iniciando-se como engraxate de sapatos, profissão que lhe rendia um bom dinheirinho e servia para ajudar nas despesas de casa. Depois foi caixeiro de loja e lenheiro, tendo exercido uma infinidade de profissões não qualificadas.
Por gostar de chegar sempre na frente dos outros, era um líder junto aos garotos de sua idade que o admiravam pelo espírito de liderança que demonstrava em tudo que se propunha fazer. Suas peraltices logo ficaram conhecidas por toda a cidade.
Em sua ânsia de faturar descobriu uma nova maneira de ganhar dinheiro, que consistia em servir como carregador de malas dos viajantes que desembarcavam na estação ferroviária de Porto Novo. Oferecia-se para levar a mala até ao hotel ou alguma casa de família em que este fosse ficar. Quando não tinha o que fazer, circulava pelas chácaras em busca de laranjas e mangas, ou ovos perdidos em meio à mata dos sítios.
Ficou conhecido pelos proprietários dos sítios e chácaras das redondezas, especialmente pelo sargento Batista, cujas laranjas e mangas ganhavam um sabor especial pelo perigo que oferecia a sua colheita. O sargento, espingarda a tiracolo, vigiava como um cão a sua propriedade. Certo dia, após fazer a colheita de frutas, Mário foi flagrado pelo sargento que disparou uma rajada de sal, tirando-o de circulação por bom tempo. Em outra ocasião, o mesmo sargento Batista aproximou-se do guri de deu-lhe com uma tábua no traseiro com tanta força que esta se despedaçou. Os olhos do garoto afogaram-se em lágrimas de dor e ódio, tanto que iniciou uma série de palavrões nunca ouvidos. Ainda inconformado, dirigiu-se até a linha do trem onde havia um monte de pedras britadas e com elas descarregou toda a sua fúria em todos que estavam ao redor. Foi um alvoroço geral. As pedras saiam em todas as direções, atingindo “quem era e quem não era”, ferindo várias pessoas. Acabado o estoque de pedras, correu apavorado para casa onde contou tudo para a mãe.
A atitude da criança teve grande repercussão na cidade, tanto que as autoridades locais decidiram que Mário tinha de ser “expulso da cidade”. Desesperada, a mãe apelou a um amigo que residia em Pirapetinga, o “Seu” Machado, que levou o garoto para o Rio de Janeiro, onde passou a morar com o pai que trabalhava na General Eletric. Após breve tempo, Mário foi morar com uma tia e, a seguir, na casa de um primo, Nadir Marques das Neves, maquinista da Central do Brasil.
Tudo corria as mil maravilhas, quando o garoto fez amizade com um jornaleiro que trabalhava na Estação de Triagem e dele ganhou confiança. Com revistas nas mãos para vender dentro do trem, ia da estação de Barão de Mauá até Belfort Roxo e voltava. Numa dessas viagens, foi surpreendido por agentes do Juizado de Menores, que acharam por bem recolher aquela criança ao Serviço de Assistência ao Menor (SAM), em São Cristóvão, de onde só saiu dois anos depois. Do SAM foi transferido para o Instituto Profissional Getúlio Vargas, onde aprendeu a profissão de vimista. Também no Instituto Profissional Getúlio Vargas, que nos domingos eram promovidos shows de calouros, passou a dedicar-se aos tons aprendidos com o velho mestre Acácio, ainda em Porto Novo, num violão.
Por fim, aos 17 anos de idade, Mário saiu da clausura com mil planos e conjecturas para o futuro. Após procurar o pai, voltou para Além Paraíba onde residia a mãe e a avó. De novo na cidade, tratou de restaurar sua imagem.
Bom de bola foi contratado como lateral esquerdo pelo Clube Comercial. A completar 18 anos pelo correio chegou a sua convocação para o Exército. Rumo a Juiz de Fora, onde se apresentou no 12º Regimento de Infantaria, sofreu um golpe ao ser dispensado – tinha pé chato. Voltando a Além Paraíba foi contratado na fábrica de tecidos como fiandeiro. Dois dias depois de iniciar no novo emprego, a triste notícia da morte do pai chegou através de uma carta do primo Nadir.
Mário não se firmava em emprego nenhum. Da fábrica de tecidos foi ocupar uma vaga de ajudante de fundidor na Oficina da Leopoldina. Depois passou a trabalhar como ajudante de caminhão, a seguir conseguiu um emprego na Rádio Porto Novo onde foi uma espécie de homem de sete instrumentos, exercendo as funções de violonista, cantor, operador de som, contra regra. Mário ganhava pouco, fazendo bicos tirando areia do Rio Paraíba, tocando o violão e cantando sucessos de Noel Rosa e outros compositores famosos da época. E naquele ambiente, cercado de bons amigos como Demétrio Costa, Zé Riberto, Nonô, Nelito do Cavaco, Waldir do Cinema, Toinzinho Barbeiro e outros, ganhou o apelido de “Bom Criolo”.
Em 1950, Mário foi novamente tentar a sorte no Rio de Janeiro, desta feita como músico, acompanhando grandes nomes do cancioneiro como Geraldo Pereira, Blecaute, Risadinha, Moreira da Silva e outros. No Rio de Janeiro conheceu Odete Silva, cunhada do amigo João Ladeira, e casou-se na Igreja de Nossa Senhora de Copacabana. Um ano mais tarde, separou-se de Odete. Em 1956, mudou-se para São Paulo, onde foi artista contratado pela Rádio Nacional, gravando seu primeiro disco em 1958. O sucesso chegou em 1963, com “Volta por cima”, de Paulo Vanzolini; depois, vieram outros como “Cara de boboca”, “Barracão” e “O neguinho e a senhorita”.
O apelido “Noite Ilustrada” ganhou quando ainda era apenas mais um músico no meio artístico. Foi dado pelo comediante Zé Trindade que se esquecendo do seu nome chamou-o pela primeira lembrança que lhe veio à cabeça. Como Mário carregava sempre uma revista no bolso que tinha por título Noite Ilustrada, Zé Trindade anunciou: “E agora com vocês… Noite Ilustrada!”. O fato aconteceu na cidade de Leopoldina…
Gravou 38 álbuns, dos quais um marcou especialmente sua vida, “Revivendo Ataulfo Alves”, não apenas por ter o famoso sambista como amigo e mestre, mas porque o próprio Ataulfo ter declarado publicamente que Mário Marques era o seu sucessor musical. Em 1984, foi residir em Recife (PE), onde foi proprietário de uma das mais famosas casas de shows da capital pernambucana. Em 1996, foi residir em Atibaia (SP), onde faleceu no dia 28 de julho de 2003, vítima de câncer.
Vem de longe o adágio que afirma que “santo de casa não faz milagres”. Esse enunciado atingiu “Noite Ilustrada” quando já artista consagrado, ao voltar a Pirapetinga para uma apresentação. Quando estava para ser contratado, em momento algum seus conterrâneos o trataram como um profissional – ao falar em cachê, mudavam de assunto. Mesmo assim, ele foi para a apresentação e, na hora do show, sentiu-se como um estrangeiro naquela terra. A única felicidade que teve foi quando reviu o lugar onde nasceu. Após o show, foi até a praça, já eram quatro horas da manhã, e, sentado num banco, chorou desconsolado.
Ao contrário, Além Paraíba sempre dedicou imenso carinho à “Noite Ilustrada”. E mesmo distante Mário sempre manteve contato com a terra que o acolhera como filho e com seus velhos amigos alemparaibanos de quem tinha um carinho muito especial, principalmente de Zé Riberto e Demétrio Costa, o “Preguiçinha”. Nas horas amargas de sua vida em terras alemparaibanas, esses amigos muitas vezes dividiram com Mário o prato de comida. A última vez que se apresentou em terras alemparaibanas como artista consagrado foi no dia 08 de setembro de 2001, num baile-show com a Orquestra Além Paraíba, nas dependências do Além Paraíba Tênis Clube, organizado por José Erbiste, o “Macarrão”.
Texto: Flávio Senra / Fontes: Livro “Noite Ilustrada”, de Paulo Viana Maciel; jornal O Globo; revista Veja.
Publicado da edição 342, de 15/09/2005.