quinta-feira, abril 25, 2024
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Nova placa do Mercosul acumula casos de clonagens e venda irregular

Implementada em todo o Brasil desde fevereiro, a placa Mercosul já está presente em pouco mais de 14 milhões de veículos, de acordo com o Denatran.

Qual é a placa legítima? O exemplar de baixo é falso e foi adquirido o Mercado Livre, trazendo materiais originais e até o QR Code. (Imagem: Divulgação)

Criado para ser mais seguro e barato ao consumidor, o novo padrão de identificação veicular foi simplificado desde a sua estréia no Rio de Janeiro, sem setembro de 2018, e hoje acumula casos de clonagens e venda irregular.

Em pesquisa em sites de classificados, foram encontrados facilmente anúncios de placas “decorativas” que podem ser confeccionadas com os caracteres requeridos pelo comprador e todos os elementos da original, incluindo o QR Code – código bidimensional que substitui o antigo lacre e serve para acessar dados do veículo, por meio de aplicativo Vio.

Dependendo da qualidade da cópia, somente seria possível constatar a fraude verificando itens como o chassi e a numeração do motor.

Casos de clonagem têm sido notícia Brasil afora. No dia 6 de julho, por exemplo, a Polícia Militar Rodoviária de São Paulo prendeu um homem transportando quase meia tonelada de maconha em Ourinhos (SP) em um veículo com placas Mercosul clonadas. Em janeiro, apuração já mostrava a placa Mercosul comercializada no meio da rua na Bahia, o que é ilegal.

Para o presidente da ANFAPV (Associação Nacional dos Fabricantes de Placas de Identificação Veicular), Cláudio Martins, a alteração na legislação é a responsável pelo aumento das clonagens. Ele cita que conforme determina o Artigo 10 da resolução 780/2019 do Contran (Conselho Nacional de trânsito), o sistema de licenciamento foi substituído pelo credenciamento e livre concorrência, o que descentraliza o controle de todo o processo de emissão da placa o que dá margem para irregularidades. A entidade, inclusive, protocolou ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal em fevereiro passado e aguarda decisão do relator, ministro Roberto Barroso.

“As novas placas veiculares concebidas para a prevenção das fraudes e permitir o controle da sua produção de forma centralizada. No entanto, as diferentes formas de sua implantação no diversos Estados está provocando o descontrole e possibilidade da atuação de grupos criminosos”, avalia Martins.

Segundo ele, a retirada dos itens de segurança simplificou a aquisição de matérias primas no mercado paralelo e retirou os referenciais para que as polícias possam identificar as fraudes – fazendo com que facilmente que se confunda uma placa fria com uma placa legal.

Ele se refere à remoção de itens previstos no Mercosul, concebida em 2014 em conjunto com Uruguai, Paraguai e Argentina.

Foram retirados, por exemplo, o brasão do município e a bandeira do estado de registro, as “ondas sinusoidais”, aplicadas no funda da placa, e a película com efeito holográfico nos caracteres da chapa. Esses itens tinham impacto “irrelevante” no custo final na placa, afirma o representante da associação.

“A situação é tão caótica que, a exemplo do Estado de São Paulo, os mesmos estabelecimentos que atendem os proprietários de veículos para a demanda do respectivo Detran utilizam o mesmo material das placas oficiais para produzir placas decorativas. Com isso, observa-se a produção de placas frias, que vem crescendo em níveis até maiores do que se observava com as placas cinzas”.

Martins acrescenta que a placa Mercosul pode ser encomendada pela internet de fornecedores paralelos, utilizando o mesmo material da placa “quente”, sem qualquer tipo de controle de parte dos Departamentos Estaduais de Trânsito.

Procurado para esclarecimentos, o Denatran e o Detran-SP comentaram os problemas na emissão das placas Mercosul. Também foi questionado o Mercado Livre a respeito de anúncios das “placas decorativas” para uso ilegal. Vejam as respostas:

DENATRAM – “O Denatran não possui nenhum registro estatístico que legitime afirmar que ultimamente têm ocorrido muitos casos de clonagens’. O sistema de segurança da nova PIV (Placa de Implantação Veicular) possibilita, aos agentes de fiscalização, um controle unificado e de abrangência nacional de validação da placa para o combate à clonagem por meio da leitura do QR Code. Por meio do novo sistema, é possível, pela fiscalização, identificar práticas ilícitas e, assim, adotar medidas de mitigação de fraudes”.

“Em relação aos valores, os preços das placas é de livre concorrência, praticados de acordo com a própria estampadora. Já as taxas do DETRAN, incluídas também no custo final da placa, são estabelecidas pelas Assembleias Legislativas de cada Unidade Federativa”.

DETRAN – “Cabe ao governo federal legislar sobre a estampagem, comercialização e instalação das placas padrão Mercosul, inclusive quanto à determinação dos valores das placas. O valor cobrado se deve à utilização de infraestrutura tecnológica para geração do código com informações de segurança para a estampagem das placas”.

MERCADO LIVRE – “Os anúncios mencionados já foram baixados da plataforma. É expressamente proibida a venda de produtos não autorizados pelos órgãos reguladores competentes, conforme descrito nos termos e Condições de uso da plataforma, os quais se aplicam a todos os usuários, compradores e vendedores, sendo obrigatória sua aceitação no momento da realização do cadastro”.

Placa simplificada

Desde a sua estréia, a placa Mercosul  ficou consideravelmente mais simples do que o modelo originalmente concebido em 2014. A maior parte dos itens de segurança, inclusive, foi removida ainda durante o governo de Michel Temer – portanto, antes de Bolsonaro assumir a Presidência. O chip de identificação, previsto na patente da placa, por exemplo, nunca foi implementado.

Na atualização, mais recente, definida em junho de 2019 por meio da resolução 780 do Contran, a placa deixou de trazer duas características visuais criadas para prevenir clonagens e falsificações: as palavras “Brasil” e “Mercosul” com efeito decifrativo, semelhante ao holograma, aplicadas sobre os caracteres e na borda externa; e as citadas ondas sinusoidais, grafadas no fundo branco do equipamento.

No lugar do efeito difrativo, as inscrições passam a vir na mesma cor dos caracteres, praticamente desaparecendo.

Desde a estréia no Rio de Janeiro, o novo padrão de identificação veicular passou por outras modificações visuais, sempre relacionadas a itens de segurança e com a alegação, de parte do governo federal, de redução nos custos de fabricação e, consequentemente, nos preços ao consumidor final.

A primeira delas aconteceu já em setembro de 2018, por meio da Resolução 741, que retirou o lacre, utilizado até hoje na placa cinza e substituído pelo QR Code – quer permite rastrear todo o processo de produção da placa.

Em setembro de 2018, outra resolução (748) do Contran determinou a exclusão da bandeira do Estado e do brasão do município de registro veicular.

Fonte: Por Alessandro Reis, para Uol, São Paulo.