quinta-feira, abril 25, 2024
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SERRA DA SAUDADE (MG): No município mineiro de menor população do país, eleição é assunto de família

Serra da Saudade (MG) tem apenas 776 pessoas, segundo o IBGE, mas com 1.057 eleitores aptos a votar.

Serra da Saudade (MG) é o município de menor população do país, com 776 habitantes |Foto: Facebook / Reprodução

Perguntar aos moradores que transitam nos arredores da rua que passa em frente à prefeitura e termina na igreja Nossa Senhora do Carmo, no centro de Serra da Saudade (MG), se já tem um candidato para vereador ou prefeito nestas eleições, é ouvir que o voto está definido para o genro, o próprio pai, a esposa ou  um filho.

No município com a menor população do país — 776 pessoas, segundo o IBGE, mas com 1.057 eleitores aptos a votar nestas eleições — campanha eleitoral é feita no contato pelas ruas, às vezes com visita de porta em porta, em família e com nomes que se repetem na política local.

Dos nove vereadores atuais, seis disputam a reeleição. Geraldo Fidelis Fiuza, 60, que já teve seis mandatos, concorre ao sétimo.

Nesse tempo, diz, perdeu uma eleição por um voto, disputando com um irmão e um cunhado; outra por dois votos, contra um sobrinho e um cunhado de novo, e uma terceira por cinco votos de diferença, concorrendo com uma irmã.

“Todas as vezes que concorreu família, eu perdi. E toda vez que eles não iam, eu disparava. Minha família, acredito que seja uma das maiores de eleitorado. Dá uns 35, 38 votos. É muito aqui”, diz. “Mas não perdemos amizade, não. Nós perdemos só política”.

Selma Valéria Damas Melo, 55, representante comercial, pisou no município pela primeira vez para conhecer a família da nora, nascida ali. Em pouco tempo, ela e o marido, Gilson, resolveram trocar Divinópolis por Serra da Saudade e, agora, ela decidiu se candidatar a vereadora.

“Aqui na Serra, o pessoal é muito família, todo mundo é parente. Tem alguns vereadores que praticamente a família é que elege. Acho que meus maiores desafios são o fato de ser mulher e o fato das famílias”, diz.

Há quatro anos, o atual prefeito Alaor Machado (PP) foi eleito com 56,5% dos votos – 901 eleitores compareceram às urnas. Este ano, ele disputa a reeleição e o quinto mandato contra o mesmo adversário, Derli Donizete da Costa (Avante), ex-vereador, que já foi seu vice.

Política de boa vizinhança

Na Serra, como os moradores se referem ao município, parece imperar a política de boa vizinhança.

A ex-mulher de Alaor, Neusa Ribeiro, primeira prefeita ali, disputou e venceu duas eleições depois que ele deixou o cargo, enquanto ele saiu de cena, sem interferir.

Ele e Derli fazem questão de deixar claro que a disputa é apenas política. “Não tem diferença um com o outro, não. É tratamento de amigo”, diz o atual prefeito.

Acostumado com a política, Alaor, candidato citado pela maioria dos eleitores com quem a reportagem conversou, diz que a pandemia do novo coronavírus mudou pouca coisa na forma de fazer campanha. Foram registrados seis casos em Serra da Saudade, todos assintomáticos, segundo a prefeitura.

“Campanha a gente já faz. Eu não esqueço meus eleitores, sempre estou em contato com eles”, diz o prefeito. “A gente está tendo contato por telefone, na rua. A gente vê todo mundo, então não precisa ir até a casa, todo mundo já sabe que eu sou candidato”.

O candidato a vice de Derli, pela segunda vez, é um dos filhos. “[Decidi concorrer], primeiro, porque meu pai é meu exemplo”, diz Márcio Costa.

“E também pensando na Serra, que vem há quase 20 anos nas mãos de uma mesma administração, e a gente pensa em melhorar, tirar esse título de menor município do Brasil, tentar trazer o pessoal que foi embora.”

Sem apoio de outros partidos, o grupo político deles não tem candidatos a vereador e estima uma campanha mais modesta.

Enquanto Alaor avalia gastar em torno de R$ 25 mil, Derli diz que pretende gastar menos que no pleito anterior, que lhe custou R$ 4 mil. A maior parte das campanhas, tanto para prefeito, quanto vereador, é bancada pelos próprios candidatos.

Escorado no carro, em uma estrada de terra no interior do município, onde tinha ido procurar uma vaca que se perdeu, Derli conta que aprendeu a ler e escrever “depois de velho, só para despesa mesmo” e que resolveu se candidatar como opção de mudança.

“Se eles estão achando bom o [governo] do Alaor, nós queremos ver se fazemos melhor ainda. Queremos mudança, mas é para melhorar para a cidade, não é para mim só”, diz ele.

“Se quiserem votar na gente, estamos lá esperando, eu mais meu vice. Meu negócio é chegar na casa, dar um santinho e pedir voto numa boa.”

Uma das propostas dele é atrair negócios que ajudem a gerar empregos no município.

Em torno de seis bares

De comércio, na sede, Serra tem duas mercearias, uma loja de variedades, uma padaria e em torno de seis bares, no cálculo de moradores – são os bares em torno da praça que concentram as comemorações depois do resultado das urnas nos pleitos.

A prefeitura é o maior empregador. Quem não trabalha como funcionário público, geralmente, trabalha na roça ou em cidades vizinhas.

De acordo com dados do portal da transparência, excetuando pensões e 13º, o menor valor na folha de pagamento em setembro, dado mais recente disponível, foi R$ 361,55 e o maior R$ 12.774,65, para o filho de Alaor, que ocupa o cargo de controlador interno na prefeitura. O prefeito recebeu R$ 11.608,97.

Em geral, as pessoas parecem satisfeitas com a vida no local. O agricultor Pedro Alonso da Rocha, 61, que cresceu ali, diz que o serviço de saúde deve fazer com que ele vote em Alaor. Na gestão atual, o prefeito criou um programa que reembolsa gastos com consultas particulares feitas em outros municípios.

“Quando a gente precisa de área de saúde, não tem atendimento igual tem aqui. Qualquer hora que precise, tem um carro disponível”, diz Pedro. “Já os vereadores, todos aqui são meus amigos. Fica difícil para a gente escolher. Eu gosto de decidir na hora”.

Na área da educação, o município diz ter vagas de sobra nas escolas. Ivan Hernane de Oliveira, secretário municipal de educação, cultura, esportes, lazer e turismo, que está há cinco gestões no cargo, já concorreu a vereador e é filho de um ex-vereador com vários mandatos. Este ano, o filho dele, Ivan Victor Antunes de Oliveira, 20, é o candidato mais jovem na disputa local.

Ele conta que decidiu se candidatar para que os jovens tenham representação. Ivan, o filho, não pretende deixar Serra e fez a escolha pelo curso de Odontologia, em Bom Despacho (a 109 quilômetros), pensando em serviços que o município precisava.

Moradores mais antigos lembram de uma época que Serra da Saudade via movimento mais intenso que nos dias de hoje, com carros que paravam nos restaurantes locais e quando havia ali posto de gasolina.

Hoje, quem pede indicação de lugar para almoçar, ouve o nome de Tereza Amaral Paz, 70, que trabalhou como cozinheira pela prefeitura, se aposentou e agora serve comida em uma espécie de restaurante nos fundos de casa. O filho dela também é vereador e disputa a reeleição. “Aqui é tranquilo a política”, diz. “A gente vai pela amizade mesmo [na hora de votar]”.

Prefeito se sentiu traído

Embora o IBGE estime 776 habitantes em 2020 no município, os locais calculam que chegue a 800. Em 2019, com a proposta do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) de extinguir municípios com menos de 5.000 habitantes e baixa arrecadação própria, o prefeito, que votou no presidente, disse à reportagem ter se sentido traído.

Há alguns anos, quando começaram a pipocar reportagens sobre o município, deixando Serra conhecida nacionalmente, a prefeitura precisou criar um setor só para atender telefonemas de pessoas de fora interessadas na vida ali.

“Queriam lote, casa, mudar para cá”, lembra o prefeito que preferiu não incentivar a vinda de forasteiros. “Não sabemos quem está vindo. Aqui a gente conhece todo mundo. Então, está muito tranquilo, muito gostoso assim”.

Fonte: O Tempo / Fernanda Canofre (FOLHAPRESS)