quarta-feira, maio 1, 2024
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Além Paraíba e as zonas de meretrício

Por Flávio Senra (*)

Durante longos anos, décadas atrás, Além Paraíba também era conhecida por uma intensa vida boêmia. Foi um tempo em que existiam dentro da cidade as zonas de meretrício, os cabarés onde os homens buscavam naquelas que eram apelidadas de “mulheres de vida fácil” (ledo engano) os prazeres da carne, do amor pago.

Um trecho da Ruas 15 de Novembro, nas proximidades do logradouro conhecido pelos mais velhos como “Grota”, era o centro de tudo, bem como uma parte do Morro da Conceição (Ladeira do Escorrega) e alguns bares de Porto Novo, só que nesses somente a partir de certo horário da noite – Bar Império, também conhecido como Quatro a Três, Ipiranga, Ponto Chic, Bar da Estação e outros.

A década de 1930, parte dela, foi palco desse tempo agora distante, mas o auge foi nos anos das décadas de 1950 e 1960, quando fazendeiros, operários, estudantes, comerciantes, funcionários públicos e outros profissionais se misturavam aos tipos apelidados de malandros e nos premiaram com muitas histórias e estórias.

O malandro não era um bandido. Era um sujeito dotado da palavra fácil e simpatia absoluta que tudo e a todos conquistava. Não era o diabo em pessoa que muitos acreditavam que seria, isto porque eles também tinham um lado bom, mágico, um grande e leal amigo de quem os queriam como amigos. Eram benquistos, respeitados e admirados por quem de fato os conheciam. Eram amigos de todos, principalmente das meretrizes, e alguns até mesmo trabalhavam…

Suas vestes eram inconfundíveis e estavam sempre impecáveis. Trajavam ternos de puro linho sempre bem recortados, gravatas de seda e calçavam sapatos de duas cores ou literalmente brancos. Eram exímios dançarinos, excelentes amantes e donos da conversa que convencia o mais cético dos indivíduos.

Alguns são lembrados com carinho até hoje pelos alemparaibanos mais velhos. Um deles, talvez na lista dos mais famosos, foi Francisco Lugão, o “Distinto”, um pirapetinguense casado com dona Lourdes, pai de Mara, uma competente advogada que mora em Volta Redonda, e Mário, também residente na Cidade do Aço. “Distinto” era um habilidoso sapateiro nas horas de folga, digamos assim, e foi considerado o maior dançarino de tango de toda região, afirmou certa vez um saudoso amigo de quem ora lhes faz este relato, o sempre saudoso Dr. José Oswaldo Castro Neto, que o conheceu quando jovem e me contou muitas histórias sobre o dito malandro.

Nos cabarés da zona, “Distinto” era amado e levava ao êxtase as mulheres que lá viviam, embalando-as com seus passos de dança nas músicas que faziam sucesso à época. As ladies o adoravam e pagavam por essa adoração. Ele sabia como conquistá-las, daí ser considerado até hoje como o maior entre todos os cafetões que a boa terra alemparaibana viveu. Não era de provocar ou buscar brigas, e a conversa era a sua maior arma. Era, podemos até assim dizer, um poeta da vida fácil.

Outro boêmio, por sinal listado entre os grandes, foi Rubens Moreira de Souza, o “Cabeleira”. Também exímio dançarino, este sabia como brigar como ninguém, lutar na defesa das damas sem amarrotar seus famosos ternos de linho branco ou sujar seus impecáveis e brilhantes sapatos. Filho de José Barbosa, o “Zé do Bonde”, “Cabeleira” era um moreno tipo um índio puri, de cabelos sedosos, que arrancava suspiros de muitas damas da sociedade quando passava pelas ruas. Os suspiros, é claro, sempre às escondidas!

Sempre foi um defensor das mulheres da zona. Impunha respeito e não deixava que elas fossem molestadas pelos fregueses mais brutais, daí, por sua maneira de tratá-las, às vezes com o rigor  que era  a marca de todo cafetão, recebia delas algumas benesses, seja com o um percentual do “michê” que cobravam, ou com os prazeres da entrega de seus corpos nas madrugadas quando terminava o expediente.

Em 1972, “Cabeleira” foi covardemente assassinado por um sargento da Polícia Militar, num bar que existia na extinta Safil S/A, é o que afirmaram à ocasião vários alemparaibanos. Qual o motivo? Uma mulher que o dito policial achava que era sua e não resistia aos encantos de Rubens. Um conhecido comerciário alemparaibano, o Poã da Sapataria Pavan, sempre com grande orgulho afirma que é filho natural de “Cabeleira”. Dizem que até hoje algumas ex-meretrizes que tiveram sua proteção acendem velas por sua alma.

Outros nomes fizeram história na vida boêmia alemparaibana:  Paulinho “Pachola”, José Felício Singulane – o “Zé Pagano”, Osmar Marinho, Castilho, Celso “Barburé”, Chico França, o escultor José Heitor, José Avelar, Zé Divino, Wilson Mamaú, Oswaldo Alcides da Silva – o Vado, Portilho, Zito, Tão Silva, Jairo Barbosa, Carlinhos Guerra e muitos outros. Todos trabalhadores que sempre bem vestidos em ternos e calçados lustrosos, buscavam nos cabarés alemparaibanos não só o sexo pago. O que a maioria queria era um lugar sadio, o que estes locais eram, onde pudessem beber suas cervejas e outros drinques acompanhados de um bom bate-papo com amigos, dançar com as belas mulheres que lá viviam, enfim, queriam um pouco de diversão.

Por falar nas mulheres da zona vale ressaltar que estas lá estavam, a maioria, não porque queriam. Muitas eram mulheres sofridas e grande parte havia sido expulsa de casa pelo pai por ter perdido a virgindade com um namorado – virgindade naquela época era tabu -, ou então buscavam um meio de saciar a fome e abrigo de familiares que viviam na miséria em algum lugar. Belas e vistosas, ousadas no vestir e maquiar, respeitavam a cidade e só queriam o respeito.

Frequentavam alguns bares alemparaibanos após determinadas horas para evitar constrangimentos ou encontros com fregueses que pudessem estar passeando com as respectivas esposas e filhos pelas ruas. A maioria tinha crédito ilimitado nas melhores lojas e dificilmente promoviam o velho e conhecido “cano”. Filomena, Maria das Graças, Marlene,Moreninha, Suzana, Chavinha, Dorinha, Lindinha, eram pseudônimos ou apelidos que até hoje estão gravados na memória de quem as conheceu.

Famosas também era as donas dos diversos cabarés que existiam na zona. Todas dotadas de bom coração, ajudavam quem necessitavam e sempre davam suas contribuições, generosas por sinal, para as igrejas, geralmente às escondidas para que as beatas não viessem saber. Dona Juraci, Olga, Antonieta e dona Tinoca foram as mais famosas, todas integrantes desta poética história da cidade. Dona Juraci, por sinal, era mãe de uma das grande educadoras de Além Paraíba, a saudosa Aparecida de Sá, ex-diretora do Colégio Estadual São José.

Um outro personagem que marcou época na vida boêmia de Além Paraíba foi Mário de Souza Marques Filho, o Mário “Bom Crioulo”. Acompanhado pelo violão tocado com maestria por Nelito, levava ao deleite as meretrizes com sua bela voz. Também conhecido como “Noite Ilustrada”, durante anos ele foi sucesso nas emissoras de rádio e televisão do Brasil, e era tido como o sucessor de nada mais nada menos que Ataulfo Alves.

Contam que certa vez um frequentador assíduo da zona ia se casar num sábado e resolveu fazer sua despedida de solteiro no cabaré de dona Juraci. Junto com vários amigos virou a noite entre bebidas e prazeres. A farra acabou se estendendo pelo dia seguinte e, por volta de duas horas da tarde foi lembrado que seu casamento seria realizado às cinco horas. Bêbado tal qual um gambá e abraçado à mulher que o acompanhou a noite toda até aquela hora da tarde, disse em tom de discurso: “Ela (a noiva) que espere no altar. Não quero mais casar. Quero é esta mulher que está comigo agora”, afirmou. Como prometeu não compareceu à igreja e fugiu com a mulher que o acompanhava. Tempos depois, casou-se com ela e tiveram quatro filhos.

Ao final da década dos anos de 1960, início da de 1970, os cabarés da zona de meretrício de Além Paraíba tiveram suas portas lacradas por ordem da Justiça. A sociedade vivia a fazer pressão na tentativa de acabar com o que chamavam de pouca vergonha. Quanta hipocrisia! Muitos daqueles que batalharam pelo fechamento dessas casas sempre estavam por lá. Mesmo que não admitam, a cidade perdeu um pouco de seu glamour.

Hoje os tempos são outros. Tudo mudou! Existe ainda uma boemia, só que bastante diferente. Inexiste o encantamento de outrora e, geralmente, está repleta de violência e drogas. O malandro de hoje em dia é o traficante, de drogas ou de armas, o assassino, o especulador, muitas das vezes é até o político, de vereador a presidente da República, em todos os poderes constituídos, até mesmo no Judiciário. A prostituição, a mais antiga profissão do mundo, agora está enraizada até mesmo nas melhores famílias, só que estas tentam de toda forma tapar o sol com a peneira.

O charme dos tempos passados se foi e jamais voltará. Aliás, podem crer no que digo, com o fechamento dos cabarés e o fim da zona de meretrício de Além Paraíba, o município declinou a um nível nunca visto em todas a sua história…

Nota da Redação: este texto, de autoria de Flávio Senra, originalmente foi publicado na edição nº 080 do Jornal Além Parahyba, do dia 07 de setembro de 1996, tendo recebido nesta data, 20 de março de 2024, algumas alterações.

An Quim