OPINIÃO
Censura: os amigos da interdição
Por Guilherme Fiuza (*)
– Todo dia aquele sujeito para naquela esquina e fica falando coisas que eu não gosto.
– Deixa ele falando sozinho.
– Mas ele não fala sozinho. Quem passa ali na hora escuta tudo.
– Bom, então o negócio é observar o que ele fala. Se ofender alguém ou infringir alguma lei, processa.
– Não quero que ele tenha a chance de ofender. Porque ofendeu, tá ofendido, né?
– Isso é verdade. Mas como você vai saber previamente se ele vai ofender?
– Conheço o tipo. Tenho certeza que vai ofender, vai difamar, vai mentir, vai incitar, vai caluniar.
– Sujeito ruim, né?
– Muito ruim. E influencia os outros com a ruindade dele.
– A esquina deve ser muito prejudicada por um comportamento desses.
– A esquina, a rua e por extensão o bairro inteiro.
– Dependendo do nível do transtorno, pode afetar a cidade.
– O país.
– Que situação desagradável.
– Muito. É preciso evitar que esse sujeito fale naquela esquina.
– O jeito é proibir a passagem dele por lá.
– Já tentei.
– E aí?
– A administração local não aceitou decretar a proibição.
– Por quê?
– Disseram que o sujeito tinha o direito de ir e vir.
– Que absurdo.
– Total. O direito à livre circulação é usado para acobertar crimes.
– Exatamente. A lei não pode ser usada em favor do delinquente.
– De jeito nenhum. Por isso resolvi tomar outras providências.
– Vai mandar policiar a esquina?
– Não. O delinquente poderia ir pra outra esquina.
– Vai mandar fiscalizar a rua toda?
– Não. Esses criminosos sempre acham um jeito de driblar a fiscalização.
– Que coisa difícil é defender a ordem. O que você vai fazer?
– Mandei interditar a rua.
– Não passa ninguém?
– Ninguém. Tolerância zero com o crime.
– Perfeito! Agora esse cara não vai mais poder ficar na esquina contaminando o ambiente e prejudicando a sociedade.
– Exatamente. Acabou a moleza. Chega de compactuar com as condutas antissociais.
– Parabéns pela firmeza!
– Obrigado.
– Ih, acabo de lembrar que o meu cardiologista é nessa rua. Tenho consulta com ele amanhã. Pode pedir ao seu pessoal pra me deixar passar? Sou só eu.
– Não.
– Mas… Eu sou cardíaco…
– Se vira.
(*) Guilherme Fiuza é jornalista e escritor com mais de 200 mil livros vendidos
trabalha para veículos como Jovem Pan, Gazeta do Povo e Revista Oeste.
Fonte: Gazeta do Povo