terça-feira, setembro 10, 2024
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OPINIÃO

Censura: os amigos da interdição

Por Guilherme Fiuza (*)

– Todo dia aquele sujeito para naquela esquina e fica falando coisas que eu não gosto.

– Deixa ele falando sozinho.

– Mas ele não fala sozinho. Quem passa ali na hora escuta tudo.

– Bom, então o negócio é observar o que ele fala. Se ofender alguém ou infringir alguma lei, processa.

– Não quero que ele tenha a chance de ofender. Porque ofendeu, tá ofendido, né?

– Isso é verdade. Mas como você vai saber previamente se ele vai ofender?

– Conheço o tipo. Tenho certeza que vai ofender, vai difamar, vai mentir, vai incitar, vai caluniar.

– Sujeito ruim, né?

– Muito ruim. E influencia os outros com a ruindade dele. 

– A esquina deve ser muito prejudicada por um comportamento desses.

– A esquina, a rua e por extensão o bairro inteiro.

– Dependendo do nível do transtorno, pode afetar a cidade.

– O país.

– Que situação desagradável.

– Muito. É preciso evitar que esse sujeito fale naquela esquina.

– O jeito é proibir a passagem dele por lá.

– Já tentei.

– E aí?

– A administração local não aceitou decretar a proibição.

– Por quê?

– Disseram que o sujeito tinha o direito de ir e vir.

– Que absurdo. 

– Total. O direito à livre circulação é usado para acobertar crimes.

– Exatamente. A lei não pode ser usada em favor do delinquente.

– De jeito nenhum. Por isso resolvi tomar outras providências. 

– Vai mandar policiar a esquina?

– Não. O delinquente poderia ir pra outra esquina.

– Vai mandar fiscalizar a rua toda?

– Não. Esses criminosos sempre acham um jeito de driblar a fiscalização.

– Que coisa difícil é defender a ordem. O que você vai fazer?

– Mandei interditar a rua.

– Não passa ninguém?

– Ninguém. Tolerância zero com o crime.

– Perfeito! Agora esse cara não vai mais poder ficar na esquina contaminando o ambiente e prejudicando a sociedade.

– Exatamente. Acabou a moleza. Chega de compactuar com as condutas antissociais.

– Parabéns pela firmeza!

– Obrigado.

– Ih, acabo de lembrar que o meu cardiologista é nessa rua. Tenho consulta com ele amanhã. Pode pedir ao seu pessoal pra me deixar passar? Sou só eu.

– Não.

– Mas… Eu sou cardíaco…

– Se vira.

 (*) Guilherme Fiuza é jornalista e escritor com mais de 200 mil livros vendidos

 trabalha para veículos como Jovem Pan, Gazeta do Povo e Revista Oeste.

Fonte: Gazeta do Povo