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OPINIÃO: Liberdade de Expressão – qualquer semelhança é mera coincidência

(Texto extraído da Coluna Toca do Lobo – 18/08/2021)

Em janeiro de 1692, na cidade de Salem, em Massachusetts, Betty Parris, de nove anos de idade, começou a agir de maneira estranha.

Ela se escondia embaixo das cadeiras e balbuciava descontroladamente, dizendo palavras que ninguém conseguia entender. 

Sua prima, Abigail Williams, orfã que morava na casa de Betty, começou a agir da mesma maneira.

Um médico foi chamado para examinar as meninas e constatou que não estavam doentes, mas sim “enfeitiçadas”.

Tituba, a serviçal que cuidava das crianças, na ausência do casal Parris, para ajudar as meninas, resolveu apostar na superstição fazendo o “bolo da bruxa”, que consistia numa receita nojenta que incluia até urina das meninas

O bolo seria dado ao cachorro, que ao comer faria a bruxa sentir cada dentada, e assim viria até a casa, implorando para que a dor parasse, e seria então capturada, pondo fim à maldição das duas meninas.

Mas como a teoria quase nunca se alia com a prática, quando os pais de Abigail encontram os pedaços de bolo, ficaram horrorizados e interpelaram as meninas para dizer a eles como era a imagem da tal bruxa, ao que estas responderam ser a imagem de Tituba

E assim começou a mais famosa caça às bruxas da história americana.

No século XVII as mulheres não tinham muito poder, não podiam votar, nem sequer possuir propriedades, a menos que as herdassem.

Eram completamente submissas aos homens, portanto muito mais acusadas de bruxaria do que estes.

Abigail e sua prima, agora com toda atenção da cidade voltada para elas, acusaram mais duas mulheres de bruxaria:  Sarah Good e Sarah Osborne.

Vendo o “sucesso” das meninas, outras garotas resolveram fazer o mesmo e assim surgiram Ann e Elizabeth anunciando a todos que o espectro de Sarah Good as assombrava e atacava na madrugada.

Sarah era muito pobre e costumava sair por aí implorando por comida com sua bebê de quatro anos, Dorcas, que pasmem, também foi acusada de bruxaria pelas garotas.

Um tribunal foi montado na cidade e, sem direito à defesal legal, uma a uma das acusadas foram presas.

Mais nomes foram surgindo, especialmente desafetos das meninas, incluindo um pastor por quem nutriam desejo sexual e sua pobre esposa.

Resumo da história: vinte inocentes foram condenados à morte e outras cinco pessoas morreram na cadeia.

Séculos depois, logo após a Segunda Guerra Mundial, muitas pessoas na América ficaram com medo de que o comunismo assumisse o controle do mundo, então, aproveitando deste temor, o senador McCarthy implantou a narrativa de que havia espiões comunistas em todo o país e que eles queriam derrubar o governo dos Estados Unidos, portanto mereciam ser denunciados e caçados imediatamente.

E assim, milhares de americanos foram denunciados por seus pares, investigados pelo FBI e julgados por um tribunal amplamente parcial, que condenava especialmente aqueles que trabalharam nas forças armadas, sindicatos ou na indústria do entretenimento. 

Criou-se assim uma lista negra com nomes de suspeitos que, sob as ordens deste tribunal, eram proibidos de trabalhar, e alguns iam inclusive parar na cadeia.

Estamos em 2021, inverteram-se os papéis, mas a caça às bruxas continua.

Se você pensa de forma diferente do que exigem que você pense, provavelmente você é um pária da sociedade e será punido por isto, sem direito à defesa.

Evidente que qualquer forma de violência ou ameaça às instituições, ou ao cidadão, é amplamente reprovável, assim como a disseminação de ódio ou notícias falsas, porém a parcialidade nos julgamento é tão (ou mais) cruel do que tais punições.

Proibir a voz de João, só porque ele diz algo que não lhe agrada, ao mesmo tempo em que se ignora as atrocidades e mentiras que José espalha, apenas porque o discurso esta empareado com o seu, me parece algo tão injusto e desonesto quanto jogar “bruxas” à fogueira.

A histeria coletiva de Salem do século XVII e os tribunais da América dos 50 é que deveriam ser queimados na fogueira da história, mas pelo visto estão cada vez mais vivos e na ativa.

Se você não defende a liberdade de expressão das pessoas que despreza, não se engane, o grande fascista da história, ao pé da letra, é realmente você.

Fonte: Texto original – Toca do Lobo 18/08/21