quarta-feira, maio 1, 2024
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Masturbação feminina: vendas de vibradores têm alta de 50% com isolamento social

Só no Brasil, mais de 1 milhão de vibradores já foram vendidos durante o isolamento, segundo pesquisas

Segundo pesquisa, a maioria dos consumidores de vibradores é composta por mulheres de 25 a 35 anos que estão em um relacionamento
Foto: Twitter/Reprodução

Por LETÍCIA FONTES

Oi, tem compromisso para hoje à noite? Queremos fazer um convite, desses irrecusáveis, com três companhias que já podem ter sido consideradas más influências por aí, mas que vão se tornar seus melhores amigos (adeus, patriarcado!): um vibrador ou seus dedos, um espelhinho de mão e seu clitóris.

É certo que a pandemia do novo coronavírus trouxe mudanças significativas para todos. Se, por um lado, mensagens de texto, áudio e vídeo passaram a ser recursos essenciais, por outro, estar sozinha tem se mostrado uma oportunidade de conhecer as próprias vontades, fazer ou manter as pazes consigo e descobrir que é possível ter momentos sexualmente prazerosos nessas condições. 

Um levantamento do portal Mercado Erótico aponta que as vendas de vibradores subiram 50% desde março no país. Mais de 1 milhão de vibradores, consolos e plugs foram comercializados desde o início do isolamento social. “Eu sempre tive a curiosidade, mas nunca tive coragem de comprar, talvez por vergonha, não sei. Foi uma surpresa muito boa, muito legal”, conta a esteticista Camila Pinheiro, 26. 

Camila teve a primeira experiência com vibradores na quarentena, depois que várias amigas resolveram comprar o acessório. Mas o caso dela não é isolado. Segundo a pesquisa, a maioria dos consumidores de vibradores é composta por mulheres de 25 a 35 anos que estão em um relacionamento. 

“Eu já estava há bastante tempo sem consumir e comprar nada, e a quarentena acabou despertando isso, até pela questão de cair na rotina e estar todo dia, 24 horas, junto com o parceiro. Tem muito casal entrando em crise, e eu tentei ir no sentido contrário”, revela a assistente de marketing, Isabela (nome fictício), 35, casada há sete anos. 

Mas, com ou sem vibrador, elas estão se masturbando mais, segundo especialistas. De acordo com um levantamento feito pela rede social de sexo Sexlog com suas usuárias, 41% das mulheres relataram ter se masturbado todos os dias durante a quarentena. 

“Masturbar-se, principalmente agora na quarentena, é uma oportunidade de se autoconhecer, descobrir o corpo e as maneiras de ter prazer”, destaca a professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG, Fabiene Bernardes Castro Vale. 

E a psicóloga e sexóloga Enylda Motta completa: “Nesta quarentena, a masturbação veio como uma novidade e uma descoberta para muitas mulheres, porque muitas tiveram a ideia de que, já que iam conviver com o parceiro 24 horas por dia, ia ser tudo ‘mil maravilhas’ e ia ter sexo todos os dias. Isso até aconteceu, mas, com o passar do tempo, a normalidade sexual veio, e muitos casais têm feito sexo uma vez por semana, de 15 em 15 dias ou até mensalmente. Por isso, quando não têm essa opção, as mulheres estão se descobrindo e se entregando ao prazer sozinhas”, avalia.

Se masturbar faz bem

Os benefícios de conhecer o próprio corpo e prazer são vários, e – ao contrário do que se pode imaginar – se tocar todos os dias traz muito mais retornos positivos do que possíveis efeitos colaterais. Estudos apontam que a prática regular de masturbação pode ajudar a combater males femininos, como falta de lubrificação, atrofia vaginal, fraqueza da tonificação do assoalho pélvico e, consequentemente, a anorgasmia – disfunção sexual que dificulta a chegada ao orgasmo.

E, na quarentena, a masturbação ainda tem um bônus: pode auxiliar muito no combate à tensão e ao estresse. “O orgasmo proporciona uma série de benefícios no organismo por conta da estimulação e da liberação de vários hormônios promovendo uma sensação de prazer, relaxamento e bem-estar. A masturbação deve ser vista como uma maneira segura de explorar o desejo sexual, não representa um ‘parceiro substituto’ pela busca do prazer sexual, mas sim uma estratégia de autoconhecimento e desenvolvimento sexual”, afirma a ginecologista Fabiene Bernardes Castro Vale. 

Amor ou tesão? 

https://www.instagram.com/reel/CCTdCS6FYog

Em um vídeo que viralizou nas redes sociais, a ex-BBB, ginecologista e obstetra Marcela Mc Gowan incentiva suas seguidoras a se masturbarem na quarentena. Ela alerta que o autoprazer pode te livrar de várias ciladas e de ‘boy lixo’: “Masturbar-se melhora seu autoconhecimento e sua chance de ter prazer, libera ocitocina, endorfina e diminuição do cortisol, e isso representa diminuição do estresse na quarentena. E número três: te impede de mandar mensagem para aquela pessoa babaca. Sempre bom se certificar se era amor ou um ‘tesãozinho’ besta”. 

Masturbação feminina ainda é tabu

Apesar dos benefícios já conhecidos, uma pesquisa realizada por 36 educadores sexuais de todo o país, entre abril e maio deste ano, revelou que 86% das pessoas têm sentido vontade de se masturbar todos os dias durante a quarentena, mas apenas 49% sentem-se à vontade para se masturbar. E isso tem muito a ver com a forma como a masturbação é encarada pelas mulheres, garante a sexóloga Neusa Pandolfo, uma das líderes do projeto “Como está sua sexualidade na quarentena?”. 

Corroborando com a tese, dados divulgados pelo Programa de Estudos em Sexualidade (Prosex), da USP, em 2016, apontam que 40% das brasileiras não se masturbam e 55,6% não conseguem chegar ao orgasmo. Mas está tudo bem se fizer parte das estatísticas, afinal, motivos não faltam para ter dificuldade de gozar. São diversas as teorias sobre a histórica repressão sexual vivida pelas mulheres.

“As consequências disso não têm a ver só com sexo, já que também influenciam a autonomia e a falta de conhecimento das mulheres sobre o próprio corpo”, explica a sexóloga Neusa Pandolfo. Ela alerta que, sem se conhecer nem se tocar, ter prazer, sozinha ou acompanhada, é muito mais difícil.

“Precisamos compreender que, quando a mulher se toca, ela se conhece. A maioria das opressões vividas hoje pelas mulheres são veladas, temos o machismo introjetado na sociedade de uma maneira que nem percebemos. A servidão do corpo para o prazer do outro é uma coisa difícil de mudar. Embora esteja tudo muito claro na cabeça da mulher, às vezes o corpo não acompanha. É urgente que as mulheres conheçam suas vaginas e seus corpos”, completa. 

Segundo especialistas, a repressão da sexualidade da mulher está muito ligada às necessidades políticas e sociais de cada época. A virgindade, por exemplo, foi um ponto colocado como uma questão moral para impedir que elas engravidassem de parceiros diferentes. Nessa mesma lógica, proibiu-se o toque na genitália feminina pela crença de que a estimulação aumentaria as chances de a mulher iniciar a sua vida sexual mais cedo — uma vida sexual ativa fora do casamento significava que essa mulher seria vista pela sociedade como alguém que não merecia respeito.

“A masturbação feminina é muito pouco discutida por causa dos mitos e dos pensamentos negativos, existe muito estigma. Muitas mulheres se culpam ou têm vergonha de se masturbar, enquanto para os homens a masturbação é considerada um comportamento sexual normal e saudável. Isso se reflete na frequência, homens se masturbam três vezes mais do que as mulheres”, afirma a professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG Fabiene Bernardes Castro Vale. 

Com tanta encanação e repressão, às vezes fica difícil relaxar, falar abertamente sobre sexo e estimular o prazer. Mas não é impossível, tá? “O primeiro ponto é a mulher entender que se masturbar não é algo vulgar, não há motivo para culpa em buscar o próprio prazer. Depois de relaxar, é não ter pressa nem entre os movimentos, nem com o tempo que você vai se dedicar a essa função, viva o momento da descoberta. Use brinquedos, assista a um filme, imagine um personagem e se olhe no espelho, tudo que for acrescentar para o prazer é válido. Por último, não se cobre. Você está se descobrindo, e não é uma obrigação chegar ao orgasmo”, aconselha a psicóloga e sexóloga Enylda Motta.

Então, já sabe. Se não tiver planos para hoje, acabou de encontrar um. Se já tiver, reserve tempo para outro: encontrar-se com a sua vulva.

Minientrevista

Neusa Pandolfo (sexóloga)

É realmente difícil “chegar lá”? Não é tão difícil chegar ao orgasmo. O que é difícil é aprender a relaxar para sentir o orgasmo. Existe muito tabu em cima da sexualidade, principalmente em relação à sexualidade feminina. E esses tabus bloquearam o acesso ao prazer. O nosso corpo está muito preparado para gozar. Mas a nossa cabeça nem sempre ajuda. Seja porque a gente fica pensando em um milhão de coisas na hora do sexo ou da masturbação e não consegue se concentrar no ato, na experiência do prazer, ou porque a gente tem alguma culpa desse momento.

É possível, então, aprender a gozar? Com certeza. A primeira coisa para isso é aprender a relaxar. Se até para digerir um alimento e cair no sono você precisa estar relaxado, o mesmo acontece com o orgasmo. E como se relaxa? A respiração ajuda muito. Então, todas as vezes que você sentir a sua mente divagar, volte para o seu corpo. Uma das coisas que mais dificultam quem ainda não aprendeu a gozar é justamente também a ansiedade por gozar logo.

Algumas mulheres ainda têm dúvidas se já chegaram ao orgasmo. Como saber? Quando o orgasmo vem, é fácil perceber. Então, na maioria dos casos, quem tem dúvidas se gozou é porque não gozou. Mas também acontece de mulheres que tenham expectativas erradas sobre o que é o orgasmo e espere, por exemplo, uma saída de líquido enorme a ponto de molhar a cama. E muitas vezes não é assim. 

Hora de se tocar: dicas 

Às vezes, tudo o que você precisa é uma noite consigo mesma. Então acenda uma vela, abra uma garrafa de vinho e veja algumas dicas para chegar lá: 

– Diga “oi” para todas as suas partes: aproveite alguns momentos consigo para explorar o que te dá prazer e onde. Para as mulheres, olhar a própria vulva no espelho e explorar a região durante o banho, por exemplo, ajuda a entender melhor como o corpo reage a estímulos. 

– Aposte em estimulantes: brinquedos, filmes e livros eróticos podem contribuir para essa aventura que é a redescoberta da sexualidade. Mas, atenção: se você não tem costume com algo do tipo, vá devagar. Não precisa comprar o vibrador high-tech de última geração com dez velocidades. Um começo tranquilo e confortável é o caminho. 

– Há algumas posições e práticas que facilitam o prazer feminino solo: o uso do chuveirinho do banheiro para estimular o clitóris e a movimentação dos dedos sobre a calcinha são algumas das opções. No ato sozinha, podem acontecer algumas reações pouco esperadas — e que são normais: ter câimbra, chorar ou fazer xixi estão entre elas. Então, não se assuste!

Fonte: Jornal O Tempo