terça-feira, abril 30, 2024
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Educadores temem que evasão de estudantes de EJA em Minas aumente com a pandemia

Educação para Jovens e Adultos enfrenta obstáculos como a falta de domínio da internet de alguns estudantes mais velhos e a rotina de trabalho intensa de outros.

“Quero deixar algo escrito para meus filhos”, diz Terezinha Moreira, 82 anos. (Foto: Flávio Tavares)

Em geral, os estudantes da Educação para Jovens e Adultos (EJA) não são “estudantes que trabalham”, e sim “trabalhadores que estudam”, define a coordenadora do Fórum Mineiro de EJA (Fomeja), Mônica Gomes. Com a interrupção das aulas presenciais durante a pandemia de Covid-19, ela diz temer um aumento da evasão de alunos na modalidade — só em Belo Horizonte, ela foi de 30% em 2019, segundo a prefeitura.

“Os educandos priorizam o trabalho, obviamente, e a educação vai sendo relegada para outros momentos. Alguns municípios e o próprio Estado introduziram as teleaulas e atividades remotas, mas nem sempre as famílias dessas pessoas têm esse acesso a elas ou a internet não é boa para ver aulas, assistir a vídeos. Quando têm, podem ter dificuldade de operar as tecnologias e, se for um aparelho só na casa, vão priorizar o ensino do filho. Existe uma concepção de que os estudantes de EJA já passaram do tempo deles e estão correndo atrás do tempo perdido, o que não é verdade”, diz Gomes. Ela lembra que, nem sempre, a evasão escolar dos estudantes é permanente e que, em muitos casos, a trajetória deles é marcada por idas e vindas às salas de aula.

A EJA é oferecida pelo governo do Estado e pelo municipal. Há cerca de 150 mil estudantes matriculados na rede estadual e outros quase 10 mil apenas na rede de Belo Horizonte. As aulas contemplam desde adolescentes que não cumpriram o percurso escolar típico a idosos que estão iniciando o processo de alfabetização. Em Minas, existem pelo menos 1 milhão de pessoas com mais de 15 anos que não são alfabetizadas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

A auxiliar de serviços gerais Alice Oricio, 40, está completando o equivalente ao ano final do ensino fundamental e tem se desdobrado para conciliar o trabalho de oito horas por dia, afazeres domésticos, cuidados com o filho de 9 anos e estudos a distância, na rede municipal de Contagem, na região metropolitana de BH.  

“Eu tento imprimir as atividades para mim e para o meu filho, que está no terceiro ano do fundamental. Mas não tenho dinheiro para mim e para o menino e prefiro fazer para ele, então estou com atividades atrasadas”, conta. Ela também assiste a aulas remotas duas noites por semana — com o filho ao lado dando palpites. Conseguir ajudá-lo na escola foi um dos motivos por que ela decidiu voltar a estudar depois de adulta.

Professores se desdobram para manter até alfabetização a distância

Aos 40 anos, a auxiliar de serviços gerais Alice Oricio tem se desdobrado para conciliar os estudos com trabalho, filho e casa

A educadora Jeanne Chequer, 48, que dá aulas para uma turma de EJA em BH e coordena as de uma escola em Contagem, afirma que ensinar a distância tem sido o maior desafio da carreira de duas décadas. “Estou preocupada com o que esperar após a pandemia. De 120 matrículas de EJA na minha escola em Contagem, 70 estão ativas, com as pessoas nos grupos de WhatsApp. Mas só 30% dão retorno das atividades”, detalha. Com a turma de alfabetização, ela tem desenvolvido atividades por meio de áudios pelo aplicativo, por exemplo.

Terezinha Moreira, 82, ingressou na EJA há dois anos e se esforça para manter o ritmo de estudo remoto, com ajuda de uma vizinha professora. “É muito difícil, porque não sei mexer bem com internet e ligar meu celular certinho. Na infância, eu não tive possibilidade de estudar, porque tinha que ajudar na roça, mas quero deixar alguma coisa escrita para os meus filhos lerem quando eu não estiver mais aqui. Tendo professora para dar aula, eu vou estudar até morrer”, relata, com bom-humor.

Um professor de EJA da rede estadual no Triângulo Mineiro, que pediu para não ser identificado, explica que está utilizando o material do governo do Estado, os Planos de Estudos Tutorados (PET), no ensino médio. Ele aponta que os conteúdos estudados na EJA são outros e com abordagens diferentes, por isso sente falta de material específico para os jovens e adultos. “De uma turma de mais de 30 alunos, nenhum entregou as atividades. É uma ‘web evasão’, eu fico ali sozinho falando para ‘web paredes’. No caso dos jovens de 18 a 24 anos, acredito que abandonem o ensino porque as atividades não valem nota”, completa.

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) atende cerca de 200 alunos na EJA. A coordenadora do primeiro ano do ensino médio, Renata Amaral, comemora que pouco mais de 30 estudantes, dos 50 dessa fase, têm acompanhado as aulas virtuais diárias do projeto. Mas se preocupa com o futuro de quem ficou de fora: “Alguns foram demitidos e conseguiram novos trabalhos informais no horário da aula. Quando voltarmos com as presenciais, como estarão presentes?”, pontua. 

A educadora Jeanne Chequer diz temer que uma eventual economia com as aulas remotas durante a pandemia agradem ao poder público e a empresas e que elas acabem sendo adotadas de forma permanente para a EJA, o que poderia sucatear a modalidade, na perspectiva dela.

Fórum Mineiro de EJA lança consultas públicas para traçar perfil da comunidade

Até o dia 31 de outubro, o Fórum Mineiro de EJA (Fomeja) mantém uma consulta pública para estudantes e outra para educadores da modalidade para entender como eles têm encarado o ensino durante a pandemia. Um dos objetivos é saber se eles concordam com a utilização das atividades remotas como critério para “passarem de ano”, recebendo certificação de conclusão da etapa, no caso de quem está no período final do ensino fundamental ou do médio. No caso do Estado, é necessário cumprir e entregar 75% da carga horário proposta pelo PET.

O estudante Leandro Oliveira, 44, membro do Fomeja, diz que prefere repetir o terceiro ano do ensino médio a concluí-lo sem as aulas integrais. “Eu não posso me colocar nesse lugar de ser simplesmente aprovado, eu preciso ter o conhecimento. Fui para a EJA porque quero sair de lá sabendo”, defende.

Para 2021, a Secretaria de Estado de Educação (SEE MG) promete uma reformulação do projeto de ensino, o “EJA Novos Rumos”. O mínimo de estudantes necessários para formar uma turma será 20 pessoas, em vez das atuais 35, e eles terão prioridade em cursos profissionalizantes que serão oferecidos pelo Estado.

Fonte: O Tempo