domingo, maio 5, 2024
DESTAQUELOCAISNOTÍCIASREGIÃO

O alemparaibano Zuenir Ventura, escritor e jornalista, comemora hoje, 1º de junho, 90 anos com o relançamento de “Minhas Histórias dos Outros”

Com a edição revisitada e ampliada, jornalista pôde contar novos finais para as suas histórias.

Natural de Além Paraíba (MG), Zuenir Ventura é jornalista, escritor, colunista de O Globo e imortal da Academia Brasileira de Letras. (Foto: arquivo pessoal)

— Se eu soubesse que receberia tanto carinho, teria feito 90 anos antes — brinca Zuenir Ventura, entre um gargarejo e outro com chá de gengibre, para conseguir ter voz para atender a todos os telefonemas de parabenizarão e, também, de entrevistas. E são muitos.

Completando nove décadas de vida nesta terça-feira (1º), o jornalista, escritor, colunista de O Globo e imortal da Academia Brasileira de Letras se diz mais feliz do que na adolescência e celebra ter chegado a essa idade com saúde, rodeado da família e dos amigos. Para ele, a velhice só é ruim quando vem acompanhada de doença. Como não é seu caso, volta e meia se pega cantarolando Gracias a la Vida, de Violeta Parra, conhecida também na voz de Mercedes Sosa.

Para marcar o começo da nova década, Zuenir volta a uma obra pela qual sente muito carinho, “Minhas Histórias dos Outros”, trazendo-a para 2021, revista e ampliada. O escritor revela que foi prazeroso retornar às histórias relatadas no livro, lançado originalmente em 2005. Mas engana-se quem acha que é uma autobiografia. O escritor faz questão de dizer que é uma “alterbiografia”, ou seja, até conta sua história, mas a partir das histórias alheias.

Na publicação, Zuenir relata sua trajetória de 70 anos como jornalista, desde quando entrou na profissão, meio sem querer, até episódios marcantes com nomes como Nelson Rodrigues e Glauber Rocha e personagens anônimos. Além disso, acrescenta à obra a sua histórica entrevista com o reservado Carlos Drummond de Andrade.

— Na época, quando a divulgadora da editora ligou oferecendo a entrevista, achei que era trote. Só acreditei mesmo quando cheguei lá. E nem perguntei o motivo, vai que ele desistisse — lembra o jornalista.

“Minhas Histórias dos Outros” foi relançado pela Companhia das Letras (194 páginas, R$ 59,90) e traz um novo olhar para as situações narradas por Zuenir, bem como o acréscimo de outras. Proporcionou, também, a oportunidade de contar um novo final para um dos episódios mais marcantes de sua vida.

Em sua residência, no Rio de Janeiro, Zuenir Ventura recebe a Comenda do Mérito Mercadante das mãos do editor Flávio Senra, que lhe representou por ocasião da concessão da homenagem pela vereadora Guaraciaba Germelo de Marca. (Fonte: Arquivo de Flávio Senra)

Foi durante a cobertura do assassinato do ambientalista Chico Mendes, no final da década de 1980, que o jornalista se viu em uma situação que, segundo os manuais da profissão, nunca deve ocorrer: interferir na história. Porém, uma vida estava em jogo: a de Genésio Ferreira da Silva, principal testemunha do assassinato. Para evitar uma queima de arquivo, o escritor levou o jovem de 13 anos para a sua casa, no Rio de Janeiro, ficando com a sua tutela até que completasse a maioridade. No entanto, houve um choque cultural muito grande. Conforme Zuenir, foram anos difíceis, pois o adolescente tinha problemas com álcool e nunca se adaptou ao novo endereço, voltando para sua terra natal quando completou 21 anos.

— Essa história, na edição de 2005, terminava com um gosto amargo de um fracasso meu, com Genésio indo embora. Porém, pouco antes de completar essa ampliação do livro, recebi um telefonema dele, dizendo que está noivo, vai se casar, parou de beber e até lançou um livro. Então, essa história, agora, tem final feliz.

Crises

Autor de obras como !1968: O Ano que Não Terminou” e “Cidade Partida”, Zuenir diz que, mesmo com o passar dos anos, muito do que foi relatado nas publicações segue presente no Brasil de 2021. Para ele, o que aconteceu no final da década de 1960, com toda uma geração que “se atirou de corpo e alma” em busca de liberdade e democracia, deixou um legado que permanece vivo.

Porém, ao traçar um paralelo entre o Brasil de hoje com o de Cidade Partida, demonstra tristeza, uma vez que ele acredita que a “cidade continua e seguirá partida” enquanto a política de guerra que prevalece no Rio seguir:

— Não tem essa de bala perdida. Todas têm endereço certo. Realizei cobertura de uma pós-chacina e achei que seria a última. Mas elas continuam, como vimos em Jacarezinho, e vão seguir enquanto nada for feito para mudar isso.

Para Zuenir, este é o pior momento da história do Brasil, devido ao acúmulo de crises – na saúde, na política, na economia e na ética. Revela que só saiu de casa, nos últimos 14 meses, para ir ao médico e ao dentista.

— Vivi muitas crises, como a morte de Getúlio Vargas, a ditadura militar, fui preso, vi renúncia de presidente, golpe, mas nunca presenciei o que estamos passando hoje. Esta é a era do cinismo, com negacionismo e deboche pela vida humana. E só por causa disso, de toda essa situação que o Brasil vive, que a minha felicidade, aos 90 anos, não é completa — finaliza.

Além Paraíba e Zuenir Ventura

Zuenir Ventura e Márcia Diniz, cara-metade de Flávio Senra, na residência do escritor e jornalista, no Rio de Janeiro. (Foto: Arquivo de Flávio Senra)

A vida de Zuenir Ventura se entrelaça com Além Paraíba desde o dia de seu nascimento. Na cidade mineira ela nasceu e viveu até os seis anos de idade, quando seu pai levou toda a família para morar em Nova Friburgo.

Na cidade serrana fluminense viveu grande parte de sua infância e adolescência, até quando mudar-se para o Rio de Janeiro, então capital federal, então para fazer faculdade. Ao longo das décadas, ele testemunhou e relatou episódios da história do Rio, além de ter escolhido a cidade como cenário para várias de suas obras.

No Rio de Janeiro, onde vive no bairro de Ipanema com Mary, sua companheira, o escritor só sai de casa para ir ao médico ou ao dentista. Os telefonemas não dão conta de matar a saudade que sente dos amigos. Zuenir vê os dois filhos e os dois netos a distância, e os beijos e abraços que adora dar ficarão para um futuro ainda difícil de saber quando chegará. “Moro ao lado do meu filho. Imagina… Sou muito beijoqueiro, beijo até cachorro na rua, e agora não posso abraçar minha família”, comenta o jornalista.

Em Além Paraíba já foram realizadas duas homenagens ao filho ilustre. A primeira, quando, por sugestão do saudoso professor José Alves Fortes, foi paraninfo de uma turma de formandos em Letras da Fundação Educacional de Além Paraíba (FEAP). A segunda, através do gabinete da vereadora Guaraciaba Germelo de Marca, que lhe concedeu a Comenda do Mérito Mercadante, sendo representado pelo amigo Flávio Senra, editor do ALÉM PARAHYBA, que também representou a municipalidade alemparaibana, à época titularizada pelo ex-prefeito Fernando Lúcio Donzeles, quando de sua posse na Academia Brasileira de Letras.

Flávio Senra com Zuenir Ventura, quando da posse como imortal da Academia Brasileira de Letras. À ocasião, o editor do ALÉM PARAHYBA representou a municipalidade alemparaibana, então titularizada pelo ex-prefeito Fernando Lúcio Donzeles. (Foto: Arquivo de Flávio Senra).

Agora, numa terceira vez, o ilustre alemparaibano, que nunca negou ser natural de Além Paraíba, a um grupo de alunos da Escola Municipal “Lafayete Côrtes” concedeu uma entrevista com exclusividade. Ao editor do ALÉM PARAHYBA, que intercedeu para que a conversa fosse realizada, o “professor”, é assim que é tratado carinhosamente por Flávio, disse que foi uma das mais emocionantes entrevistas que já concedeu em sua vida. “Foi gratificante, repleta de emoções, que pude ter uma conversa tão amiga e tão próxima com a minha terra natal. Deixo aqui registrado o meu abraço de avô para todos os alunos do Lafayete Côrtes”.

Fonte: GZH Livros e Flávio Senra

An Quim