quinta-feira, maio 2, 2024
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Fuhad Fadel Sahione

De abril de 2002 até fevereiro de 2003, em sete edições, o Jornal Além Parahyha se viu honrado com a participação de um dos mais notáveis homens públicos que Além Paraíba conheceu – Fuhad Fadel Sahione.

Sua primeira participação aconteceu na edição de nº 205, com um texto intitulado “Antes que a lembrança se apague”, onde o homem simples amante das terras alemparaibanas lembrou a cidade de sua juventude, em especial as ruas e praças do bairro de Porto Novo, e as histórias que sua mãe contava da vida de seu pai que chegou em Além Paraíba no ano de 1903, com 30 libras esterlinas no bolso. Fuhad viajou no tempo e lembrou do bazar de seu tio José Sahione, do armarinho de Alberto e Regina Calil, das lojas de Antônio Tebet, Felipe Kalim Salomão e Abrahão Amin Saber. Com saudade reviveu a vidraçaria de Abílio Salomão, o estúdio fotográfico de Taufick Hubaix e o armazém de seu pai, comprado, numa exigência de sua mãe, por 13 contos de réis, do médico Dr. Jociano Rezende.

Passados dois meses, em junho, novamente o Jornal Além Parahyba foi brindado com novo texto de Fuhad, desta vez com o título “Gente antiga e querida”, onde com primazia ele abriu o álbum de lembranças e de figuras que nunca se apagaram de sua mente, recordando que defronte da casa de seus pais, num dos torreões da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, morava José Rayol, o Agente da Estação, pai de Celinho, a quem considerava como um de seus melhores amigos. Nesta viagem pelo tempo, ainda lembrou de Osmar “Bolacha”, seu afilhado de casamento, do Guaracy, de Domingos Fernandes, de Alberto Marendino, do bigode à “Kaiser” de Adão Pereira de Araújo, de Núbio Binato e outros. É um texto poético, onde imperam a ternura e a amizade.

Outros dois meses se passaram, em agosto, e chega mais um texto com a assinatura de Fuhad Fadel Sahione, desta vez acompanhado de uma fotografia tirada na Itália, quando ele, integrando a Força Expedicionária Brasileira, lutou em favor da liberdade e contra o jugo nazifascista. Neste texto, com o título “Os entes queridos não morrem jamais” (C.D.A.), suas lembranças se voltaram a Afonso Carvalho Fernandes e a Lírio Fontes Rezende, este um amigo conquistado em campos de batalha que após o fim da guerra foi residir em uma fazenda em Governador Valadares. Nesta viagem pelo tempo, relatou sobre a tromba d’água que destruiu Volta Grande, em 1948, e de sua participação, como voluntário, da brigada que saiu de Além Paraíba, de trem, para socorrer as famílias voltagrandenses. Da brigada, enfatizou, participaram dois ex-pracinhas – ele e Lourival Ferreira Lima, este tendo servido na guerra em uma companhia de comunicação do 1º RIE, responsável pelo restabelecimento da comunicação telefônica de Volta Grande com o resto do país, o que possibilitou a pronta ajuda àqueles que precisavam de socorro. No texto, onde sobressaiu o espírito de solidariedade e, novamente, a amizade, citou Francisco Corsini, Euclides Lima, Jacy Vilela Machado, Waldir Villela Pedras, Dr. Silvio Lemgruber, Jair Pachola e outros.

Em setembro e novembro de 2002, Fuhad Fadel Sahione brindou os leitores do semanário com duas verdadeiras obras-primas. A primeira, “Os assobios e a minha ilha”, lembrou Serafim de Mattos, dono de um bar em São José, um  expert assobiador de músicas popular e clássica, e Geraldo Louro, outro que afirmou ser “um assobiador primoroso”. Serafim de Mattos foi um dos fundadores da Sociedade Musical Carlos Gomes, e Geraldo Louro, operário da Estrada de Ferro Leopoldina, foi o primeiro tarol daquela agremiação musical. Ainda neste texto, Fuhad fez um relato sobre a construção da ponte de São José que liga os estados de Minas e Rio de Janeiro, quando forneceu a pedra britada para a Sotege, empresa responsável pela obra. Lembrou, com emoção e carinho, de sua ilha, da casa que nela construiu e onde se casou com Terezinha Cantarelli Sahione, mãe de seus oito filhos.

Já na edição do mês de novembro daquele ano, com o título “Nossos jovens vitoriosos”, suas lembranças foram despertadas para jovens alemparaibanos que viu nascer e crescer, como Álvaro Adolfo, hoje professor universitário na Inglaterra. Com orgulho citou outros nomes de jovens alemparaibanos, como Ernani Filgueiras de Carvalho, Álvaro José Filgueiras Lamin, João Ramy Mansur, Luiz Carlos Pacheco, Roberto Tadeu Antunes Fernandes, todos ex-alunos do Colégio Além Paraíba.

A proximidade do jornal a Fuhad garantiu total liberdade em indagar o porquê dele não gostar de tratar de dois temas que vivenciou ao longo de sua jornada pela Terra de Deus: a 2ª Guerra Mundial e a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, assuntos que não tinha prazer em comentar. Todas as vezes que abordado sobre o assunto, afirmava que guardava uma conflituosa visão da experiência militar, onde acalentou o sonho de uma nova vida venturosa; e uma grande mágoa pelas inverdades que foram criadas quando exerceu um mandato como deputado estadual.

Após insistentes pedidos, afirmando que “o crepúsculo vem baixando minha modesta existência”, em dezembro de 2002 escreveu “Um simples soldado”, em que deixou registrada a experiência vivida de 12 de dezembro de 1942, ocasião em que foi convocado para o Exército, até o final da guerra, em abril de 1945, quando foi para Nápoles (Itália) para aguardar o navio-transporte que iria trazê-lo de volta para o Brasil. É um relato forte, repleto de emoções, que confessou ter escrito com os olhos lacrimejantes pelas lembranças trágicas que vieram à sua mente. Sua emoção ao entregar o texto, acompanhado de duas fotografias, uma delas tirada no dia em que os soldados brasileiros tomaram Montesse, ainda ecoa em nossa mente. “Não disparei um só tiro na guerra, mas fiquei exposto ao fogo inimigo porque trafegava levando, sozinho, de dia ou à noite, armamento ou rancho para os nossos companheiros em posição de combate”, disse no texto. Enfatizando que fez o relato com o sincero desejo de atender a curiosidade de muitos, lamentou não descrever lances de valentia e heroísmo. “Simplesmente, cumpri o meu dever”, finalizou o texto em que mostrou grande sensibilidade, emoção e simplicidade.

Em janeiro de 2003, Fuhad Fadel Sahione entregou mais um texto de sua autoria, que veio a ser o último de uma série de sete ao longo de nove meses. Com o título “Lembranças que não cicatrizam”, relata parte de sua vida como homem público, em especial quando assumiu uma cadeira na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foi uma época difícil para um homem que lutou em favor da liberdade e contra o jugo nazifacista na Europa, isto porque o Brasil vivia o auge da Ditadura Militar iniciada em 1964. Uma época em que afirmou ter sido apunhalado pelas costas; um tempo que preferia não ter existido. Em 1969, após sofrer uma lesão neurológica, com grave paralisação facial, resolveu se afastar da Assembleia. “Não renunciei ao mandato, licenciei-me, legando o mandato a outro colega que me propôs dividir o subsídio parlamentar, que não aceitei”, enfatizou. Assim era Fuhad: honestidade acima de tudo…

Fuhad Fadel Sahione nasceu em Além Paraíba, no dia 06 de novembro de 1908, e era o segundo filho de Jorge Elias Sahione e Victória Fadel Sahione. Seus irmãos eram: Jorge, Willian, Elias, Wildade, Fidalma, Arlete, Lourival e Dilma. Casado com Terezinha Cantarelli Sahione, tiveram oito filhos: Maria Tereza, Leila Maria, Maria Lúcia, Jorge Luiz, Ana Maria, Maria Beatriz, João Paulo e Maria Isabela. Ex-deputado estadual, ex-superintendente do Instituto Educacional Euvaldo Lodi e ex-combatente na II Grande Guerra Mundial, amava como ninguém sua terra natal. Faleceu num domingo, 10 de agosto de 2002, às 13:45 horas, em Niterói (RJ), onde residia. Seu corpo foi velado na Câmara Municipal de Além Paraíba, tendo sido enterrado no Cemitério do Santíssimo.

Fuhad Fadel Sahione, um homem que deixou como legado a honestidade, o altruísmo, a solidariedade, a simplicidade, a amizade, enfim, todos os bons adjetivos e atributos que dignificam o ser humano.

Texto de Flávio Senra – Publicado no Jornal Além Parahyba