sexta-feira, maio 3, 2024
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OPINIÃO

E como já disse Drumond, fica a pergunta: “E agora, José?”

Por Flávio Senra (*)

Como era esperado, por razões óbvias o tão badalado III Angu Jazz acabou sendo adiado por sua Coordenação Geral, leia-se Eduardo Côrtes, grande mentor do evento que teve por único e louvável propósito levar a um nível mais alto o nome do distrito de Angustura que, já de longa data, tem o menosprezo das autoridades municipais, principalmente do atual governo do município de Além Paraíba.

Com uma programação invejável e com o apoio de inúmeras empresas de nível idêntico, o evento prometia ser prestigiado por um grande público, tanto que incontáveis mesas já haviam sido reservadas e devidamente pagas a um dos seus organizadores, justamente aquele que ora encontra-se detido na Unidade Prisional de Além Paraíba devido os atos cometidos na noite do último sábado, dia 24 de junho.

E eis que agora, como também era esperado, surge uma situação que certamente muita dor de cabeça trará à organização e coordenação do evento. Quem vai ressarcir os prejuízos ora causados, tais como devolução do dinheiro pago pelas mesas reservadas, a devolução do pagamento já realizado pela locação de vários imóveis angusturenses e outros mais, como o da moradora que investiu suas economias na confecção de canecas, algumas centenas, alusivas ao Angu Jazz que seriam comercializados durante a tão esperada festa?

Levando-se em conta as conversas de pé de ouvido, o prejuízo inicial somente com os itens apresentados deve passar de R$ 30 mil, isso sem contar cachês de artistas, produtos perecíveis que seriam utilizados no restaurante da pousada que, aliás, pertence ao causador da lambança que resultou no adiamento da festa, etc.

Para muitos, principalmente para quem possui certo poder aquisitivo, pode até ser uma quantia irrisória já que o prejuízo individual gira em torno de cem/duzentos reais, mas o que dizer da angusturense que investiu suas economias naquelas canecas alusórias ao evento? E aquele morador que, da mesma forma, gastou o que não tinha para oferecer um pouco mais de conforto a quem alugava o seu imóvel?

Um conhecido advogado alemparaibano de larga experiência na sua profissão, segredou que tal prejuízo deve e pode ser ressarcido pela organização do evento, e para isto basta buscar junto ao Poder Judiciário as medidas legais caso isso não ocorra.

E para finalizar esse nosso bate-papo, dando fim ao assunto até que o Judiciário determine o que será feito com o infeliz que num gesto tresloucado provocou tal situação, fica apenas uma indagação que em certa ocasião um dos maiores poetas mineiros, o genial Carlos Drumond de Andrade, fez em um dos poemas mais belos já vistos na história da poesia brasileira de nome “José?”, originalmente publicado em 1942, na coletânea Poesias, ilustrando o sentimento de solidão e abandono do indivíduo na cidade grande, a sua falta de esperança e a sensação de que está perdido na vida, sem saber que caminho tomar.

Para quem não conhece tal poema, o mostramos a seguir…

José

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?

Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

E agora, José?

Sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio — e agora?

Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?

Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse…

Mas você não morre,

você é duro, José!

Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde?

(*) Flávio Senra é o Editor do Jornal Além Parahyba desde junho de 1993