quinta-feira, maio 2, 2024
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O que aconteceu com os empréstimos que o BNDES fez a outros países

Sede do BNDES, no Rio de Janeiro: até 2017, banco desembolsou US$ 10,5 bilhões para 148 empreendimentos em 15 países.| Foto: André Telles/BNDES

Fortemente impulsionada nos governos do PT e suspensa em 2017, a política de financiamento de obras de engenharia no exterior pelo BNDES ainda mantém um saldo de US$ 1,1 bilhão – cerca de R$ 5,8 bilhões, pela cotação de quinta-feira (4) – a serem pagos por 12 países à instituição de fomento. Dessa cifra US$ 680 milhões (cerca de R$ 3,6 bilhões), ou 62%, correspondem à dívida de Cuba e Venezuela.

Embora sejam tratados como empréstimos a outros países, os contratos referem-se, a rigor, a apoios concedidos a empresas brasileiras para exportação de bens e serviços. Os pagamentos são feitos pelo BNDES às companhias nacionais, em reais, após a comprovação das operações. O importador – que pode ser um ente público ou privado – torna-se, então, devedor do banco.

Esse tipo de financiamento abrange diversos setores de indústria, comércio e serviços e já teve como destino 48 nações. A grande polêmica, no entanto, recaiu sobre os serviços de engenharia. Além de envolverem grandes construtoras que acabaram tendo seus nomes envolvidos em escândalos de corrupção, durante as gestões petistas a modalidade priorizou contratos com governos de esquerda, considerados aliados políticos.

O PT argumenta que o negócio é rentável e estratégico para o banco e para o país, uma vez que permite que empresas brasileiras prestem serviços fora e gerem riquezas para o Brasil. “Todos os grandes países – Estados Unidos, Alemanha, Japão, entre muitos outros – têm esse tipo de financiamento para ajudar as suas empresas. Isso existe no mundo inteiro”, disse recentemente a ex-ministra do Planejamento, Miriam Belchior, em entrevista ao canal do partido.

Em 2018, durante a campanha para as eleições presidenciais, a estratégia foi alvo de críticas recorrentes por parte do então candidato Jair Bolsonaro (PL), que acusava os governos de Lula e Dilma Rousseff (PT) de irregularidades e prometia abrir a “caixa-preta” do BNDES caso fosse eleito.

Já no cargo, e após serem gastos R$ 48 milhões em uma auditoria nos contratos, o presidente reconheceu que não foram encontrados atos irregulares. “Não foi caixa-preta na verdade, tá aberto aquilo lá. Eu também pensava que era caixa-preta. Está aberto no site do BNDES, os empréstimos todos para os outros países aí”, disse Bolsonaro a apoiadores no ano passado.

Quais países se beneficiaram com os empréstimos

Até 2017, quando o programa voltado a serviços de engenharia foi suspenso, foram desembolsados cerca de US$ 10,5 bilhões (R$ 55 bilhões) para 148 empreendimentos em 15 países. Embora o programa tenha sido iniciado em 1998, na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), 88% das operações de exportação de obras foram realizadas entre 2007 e 2015, nos governos de Lula e Dilma.

Do valor total, 98% foi destinado a apenas cinco empreiteiras: Odebrecht (76%), Andrade Gutierrez (14%), Queiroz Galvão (4%), Camargo Correia (2%) e OAS (2%) – todas posteriormente alvo de investigações na Operação Lava Jato.

Em 2016, após um acordo do BNDES com o Ministério Público Federal (MPF), novos contratos passaram a exigir, tanto por parte das construtoras como do governo ou empresa importadora, a assinatura de um termo de compliance (conformidade), com regras mais rígidas de governança, como condição para a liberação dos recursos. A partir dessa medida, US$ 11 bilhões (R$ 57,6 bilhões) previstos para serem desembolsados em 47 operações ativas acabaram retidos.

Conforme os dados disponibilizados pelo BNDES, 89% dos desembolsos realizados foram liberados em favor de apenas seis países: Angola (US$ 3,2 bilhões), Argentina (US$ 2 bilhões), Venezuela (US$ 1,5 bilhão), República Dominicana (US$ 1,2 bilhão), Equador (US$ 700 milhões) e Cuba (US$ 650 milhões).

Desses, três deram calote: Venezuela (US$ 639 milhões), Moçambique (US$ 122 milhões) e Cuba (US$ 202 milhões), em um total de US$ 964 milhões (R$ 5,1 bilhões) acumulados até março de 2022, data da última atualização do banco.

Inadimplência foi coberta por Fundo de Garantia à Exportação

Todo o valor não pago por Moçambique, correspondente a 122 prestações, foi indenizado pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), instrumento que cobre eventuais operações não pagas mesmo após tentativas de acordo. O fundo é constituído de recursos provenientes de alienação, dividendos e remuneração de capital de ações; reversão de saldos não aplicados; resultados de aplicações financeiras; comissões decorrentes da prestação da garantia; além de dotação específica no Orçamento da União.

Para a execução de serviços no país de Nicolás Maduro, o BNDES desembolsou US$ 1,5 bilhão (R$ 7,9 bilhões) e ainda tem US$ 160 milhões (R$ 839 milhões) a receber. Nada menos que 598 parcelas do financiamento a obras na Venezuela acabaram cobertas por recursos do FGE, e há outras 41 prestações em atraso ainda não indenizadas.

Por lá, o dinheiro serviu para custear a construção de linhas e estações de metrô em Caracas e Los Teques, pela Odebrecht, além do estaleiro Astialba e da Siderúrgica Nacional, ambas pela Andrade Gutierrez. Os prazos para pagamento variam, conforme a obra, de 102 a 150 meses.

Em Cuba, foram aportados pelo banco de fomento US$ 656 milhões (R$ 3,4 bilhões), e o saldo devedor ainda é de US$ 420 milhões (R$ 2,2 bilhões). O investimento contempla a execução de cinco etapas da ampliação e modernização do Porto Mariel, pela Companhia de Obras e Infraestrutura, uma subsidiária da Odebrecht, por um prazo de 25 anos. As prestações em atraso são 13, mas outras 190 acabaram cobertas pela garantia do FGE.

Apesar dos calotes, o valor já pago ao BNDES referente às obras executadas em outros países supera o total desembolsado em termos nominais. Ao todo, ante os US$ 10,5 bilhões investidos, já foram recebidos US$ 12,65 bilhões (R$ 66,3 bilhões), considerando juros e incluídas as indenizações do FGE.

O banco ainda espera receber US$ 1,1 bilhão (R$ 5,8 bilhões). Além de Cuba e Venezuela, têm saldo devedor a vencer Argentina (US$ 45 milhões), Costa Rica (US$ 12 milhões), Equador (US$ 43 milhões), Gana (US$ 99 milhões), Guatemala (US$ 91 milhões), Honduras (US$ 35 milhões), Moçambique (US$ 49 milhões) e República Dominicana (US$ 144 milhões).

Angola, México e Uruguai, que contraíram dívida total de US$ 3,39 bilhões (R$ 17,8 bilhões) também por obras executadas por empresas brasileiras, já quitaram seus financiamentos.

Fonte: Gazeta do Povo – Por Célio Yano