OPINIÃO
A ditadura é o prelúdio de uma nova constituição
Por Luiz Philippe Orleans e Bragança (*)
O maior sinal de alerta de que uma nova constituição está por vir é quando o país se depara com situação de ditadura. Quem tem acompanhado meus artigos na Gazeta do Povo deve se lembrar de vários onde cito os ciclos na política mundial, suas origens e como todo ciclo começa virtuoso e decai para o círculo vicioso, até o início de um novo que o substitua. Assim como em outros países e épocas, o Brasil também vive seus ciclos na política, sempre em torno dos melhores e piores ideais.
No caso brasileiro, a ditadura é o sinal patente do final de um ciclo. Na nossa experiência histórica, após o processo ditatorial sobrevém um processo de libertação, seguido de outro processo, de constitucionalização, isto é, de uma nova constituição. Essa tem sido a realidade do nosso ciclo político, e vamos relembrar os diversos modelos desde o século 19.
Ditadura militar e a primeira constituição republicana: após o golpe de estado de 1889, conduzido pelos militares, as primeiras medidas foram fechar o congresso, praticar a censura e matar brasileiros para impor uma república. Esse período foi chamado adequadamente de República da Espada.
Dois anos depois, percebendo que sustentar a ditadura não seria possível, os próprios militares anteviram o final desse ciclo e iniciaram o processo constitucional de 1891, restaurando fundamentos da constituição anterior, de 1824, mas ajustado aos interesses das oligarquias locais. A tal constituição republicana foi alardeada como libertadora, não do Império Brasileiro, mas da ditadura militar; um ponto de convergência importante para que houvesse a pacificação do Brasil naquele momento.
Como é de se esperar, as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais logo assumiram o comando, e ao final desse ciclo constitucional, em 1930, já haviam se consolidado em uma nova ditadura: na forma da política do café com leite, dos oligarcas da agropecuária. Quem ficou de fora? Militares, industriais e banqueiros. Mas eles se organizaram.
Fim da ditadura café com leite e duas novas constituições: na década de 30, Getúlio Vargas se uniu a militares, industriais e banqueiros e estes se tornaram uma nova oligarquia organizada para assumir o controle dos pecuaristas. Nesse momento o Brasil ficou efetivamente sem constituição. Dois anos depois, São Paulo liderou o movimento constitucionalista. Lembrando que Getúlio assumiu o comando no Brasil, sem nenhuma intenção de abrir mão do poder ou de se tornar um constitucionalista. O libertador da elite do café com leite se tornou o novo ditador.
Esse movimento constitucionalista de 1932 gerou uma nova constituição, a de 1934, intensamente socialista com diversos artigos voltados para o bem-estar social. Vargas perdeu para o movimento constitucionalista dos paulistas, mas logo armou o bote na mesma moeda: outorgou uma terceira constituição, dessa vez explicitamente ditatorial.
A constituição de 1937, que se originou de bases de pensamento nacional-socialista, promoveu uma ditadura fechada e como é de se esperar, não durou muito. Perdurou até 1946, quando um novo movimento constitucionalista libertador se iniciou.
Fim da ditadura Vargas e quarta constituição da República: constituição de 1946 foi promulgada após a deposição de Vargas por um golpe militar palaciano em 1945. Era para ser um contraponto ao fascismo de Vargas e voltar a alinhar o Brasil no pós-guerra com o ocidente. Mas na sua essência a constituição de 1946 era socialista, similar a de 1934, e por consequência, também não duraria.
Essa constituição gerou um ciclo de presidentes populistas: Dutra, Vargas, Kubitschek, Jânio e finalmente Jango. Mas foi com Jango que o início do fim começou. Quando Jango assumiu, querendo promover reformas comunistas radicais, o caldo entornou.
Jango queria fazer “reformas de base”
que acabavam com a propriedade privada
e várias outras liberdades naturais,
com forte movimento anticristão
Se ele lograsse sucesso, jogaria o país em uma nova ditadura mais radical que todas que o antecederam. Vários setores da sociedade e da economia se levantaram contra Jango e contaram com o respaldo dos militares da época, clamando pela não adesão a essas reformas. Funcionou.
Fim da quase ditadura comunista e a quinta constituição: em 1964 Jango fugiu para exílio e assumiu uma junta militar temporária que tinha como objetivo conduzir novas eleições para o ano seguinte. A priori, a junta militar vinha para ocupar o espaço do presidente Jango, que estava para se tornar um ditador comunista, mas ao final essa junta perdurou e acabou se tornando uma ditadura.
Por diversos fatores externos – levante terrorista das alas da esquerda – e internos – facções militares não querendo entregar o poder – a ideia de eleições foi descartada. A fim de validarem seu poder e terem mais poder central para impor segurança nacional, foi promulgada, em Congresso, uma nova constituição, a de 1967, a quinta da república e sexta do Brasil.
Ao final desse ciclo, que começou em 1964 – inclusive com uma constituição em 1967 – e terminou em 1985, o que acontece? Uma nova constituição.
Fim do regime militar, Constituição Cidadã? Em 1978 houve a anistia aos comunistas exilados ao longo dos anos anteriores ao regime militar. Estes fomentaram um movimento pelas eleições diretas para presidente da república, para acabar com os militares no cargo.
Em 1984, o movimento Diretas Já estava a todo vapor e o regime militar já mostrava sinais de querer entregar o poder, mas decidiram que seria por meio de eleições indiretas, via colégio eleitoral, em 1985. Elegeram um civil, Tancredo Neves, marcando o fim do regime militar mas iniciando um novo processo de, pasmem, uma nova constituição.
Em 1988, foi promulgada outra nova constituição, com o intento de libertar de fato o cidadão brasileiro, ao menos na fachada.
O discurso era de tornar o país livre,
mas é evidente que por ser uma constituição
socialista, a liberdade não era prioridade
Deve estar claro que não foi um movimento social que pensou e elaborou a constituição de 1988, que ainda vigora. Mais uma vez, as oligarquias econômicas e políticas nacionais e internacionais contaminaram o processo e o texto constitucional.
O resultado é que mais de trinta anos depois estamos novamente às voltas com uma ditadura, dessa vez do Judiciário. Portanto, o que estamos vendo é o final deste ciclo constitucional, marcado pela ditadura. O fato de termos uma ditadura do Judiciário é o sinal mais claro de que teremos em sequência um movimento constitucional.
O que está segurando o movimento constitucionalista? Há razões para explicar o porquê desse movimento tardar e ainda não ter sido materializado. A geração em que me incluo, dos nascidos entre meados dos anos 50 até o final dos anos 70, teve pouca consciência política, pois o regime militar não promoveu ou apresentou uma alternativa de pensamento que permitisse o debate ou o contraponto ao socialismo.
Por isso, em 1988 vence o socialismo na Constituição e suas premissas continuaram nadando de braçada ao longo dos anos 90 e início do século 21.
Hoje, uma nova geração desperta para o problema da ditadura. Essa geração vê a necessidade de preservar os valores fundamentais para preservar a liberdade. Desperta também o conhecimento necessário para organizar o estado brasileiro.
Despertando: estamos ainda em um momento de despertar, com uma massa crítica de pessoas que já conhecem o problema, mas insuficiente para um movimento social organizado, tal como nos últimos ciclos políticos, em que houve a falência do modelo de Estado.
Nosso vislumbre de sair de uma ditadura é exclusivamente dependente dessa massa de consciência; pessoas se mobilizando e exigindo um movimento constitucional e reformas em todos os sistemas políticos e instituições de estado, pois ambos estão em evidente processo falimentar e nas mãos de uma junta ditatorial.
Saída desse círculo vicioso: enquanto o movimento não se organizar, iremos vivenciar o estrebucho de um sistema ditatorial que já está morto, mas se mantém no poder por simples falta de um rival. Essa ditadura fará de tudo para sobreviver, inclusive eliminar a chance daqueles que foram eleitos de fazerem qualquer ajuste nas instituições, que são a fonte de seu poder; mas foi assim com todos os momentos ditatoriais anteriores.
Com a experiência brasileira em perspectiva e a consciência política dessa geração de brasileiros em alta, o próximo movimento constitucional é inevitável e haverá de ser definitivo.
(*) Luiz Philippe de Orleans e Bragança é deputado federal por
São Paulo, descendente da família imperial brasileira, trineto
da princesa Isabel, tetraneto de d. Pedro II e pentaneto de
d. Pedro I, sendo o único da linhagem a ocupar um cargo
político eletivo desde a Proclamação da República, em 1889.
Fonte: Gazeta do Povo