domingo, abril 20, 2025
BRASIL E MUNDODESTAQUENOTÍCIAS

Hoje tem sessão especial de cinema no Museu de História e Ciências Naturais

Documentário sobre o escultor alemparaibano José Heitor é uma homenagem ao artista maior de Além Paraíba, e será exibido nesta terça-feira (03), no PopCine.

José Heitor, o “Poeta da Madeira”, apelido dado por Flávio Senra ao escultor alemparaibano pelos idos de 2001. (Foto: Jornal Além Parahyba)

O Museu de História e Ciências Naturais (MHCN) está convidando a comunidade alemparaibana para uma noite inesquecível literalmente dedicada à arte e cultura do município. Na sua sala de cinema, estará sendo exibido na noite desta terça-feira (03), a partir das 19h30min, o documentário “José Heitor: o reencontro”, uma produção dirigida pelo cineasta Carlos Moura.

A entrada é franca, e proporcionará aos que comparecerem a oportunidade de conhecer a trajetória o escultor alemparaibano que se tornou um ícone da cultura e arte do município alemparaibano e do país.

José Heitor e Nilda, sua fiel companheira por mais de 60 anos, em visita recente ao distrito de Angustura. (Foto: Jornal Além Parahyba)
“Carijó”, para muitos a obra de maior relevância do notável escultor alemparaibano José Heitor. (Foto: Jornal Além Parahyba)

Sobre o documentário

Dirigido por Carlos Moura, o documentário mergulha na vida e obra de José Heitor, destacando sua contribuição para a escultura e a valorização do patrimônio artístico de Além Paraíba. Com entrevistas, registros históricos e imagens de esculturas do artista, o filme oferece uma belíssima fotografia e um profundo olhar sobre o seu legado.

O documentário também estará sendo exibido no Canal YouTube.

Um tributo ao patrimônio alemparaibano

 José Heitor é amplamente reconhecido como um dos maiores artistas de Além Paraíba. Suas esculturas, repletas de identidade e alma, refletem a essência da cultura local e têm um impacto nacional. A sessão de cinema não apenas celebra sua arte, mas também reforça o compromisso do Museu de História e Ciências Naturais em promover e preservar a memória de grandes talentos regionais.

José Heitor: o Poeta da Madeira

Por Flávio Senra (*)

Algumas esculturas de José Heitor durante recente exposição realizada na cidade de Petrópolis (RJ). (Foto: Jornal Além Parahyba)

Conta o escultor José Heitor da Silva que numa tarde de sábado, pelos idos de 1966, aproveitava mais um de seus finais de semana para ir até o Restaurante Cotril, do saudoso Luizinho Marotta. Levava consigo três peças: “Coruja”, “Enterro” e “O Mendigo de Arapoca”. Heitor relatou desse dia como fosse um dos mais importantes de sua carreira como artista – foi o dia em que conheceu o escritor Rosário Fusco, o seu descobridor.

Rosário estava no restaurante quando lhe chamou pelo nome.

– Ô Heitor, vem cá! O que você bebe?

– Qualquer coisa (naquele tempo Heitor tomava todas…).

– Senta aí! Você toma cerveja?

– Tomo.

– Toma uísque?

– Tomo.

– Você lê?

– Gibi, revista, essas coisas.

– O seu trabalho é bom?

– É.

– Você me vende uma dessas peças?

– Vendo.

– Obrigado.

Segundo Heitor, antes desse diálogo Rosário Fusco perguntara ao garçom qual era o nome daquele homem magro, negro, que estava com as esculturas no balcão.

Na época, recorda o artista maior de Além Paraíba, costumava ir ao Restaurante Cotril, sempre nos finais de semana e feriados, levando consigo algumas peças esculpidas para vender, “botar no bolso um dinheirinho a mais para melhorar as coisas dentro de casa” (o salário dos ferroviários nem sempre dava para manter com dignidade um lar). Ali, dizia, era um local excelente para vender suas obras e divulgá-las. Quem sabe, no meio do vai-e-vem de tantas pessoas que ali paravam para um lanche, almoço ou jantar, poderia um dia passar alguém que tivesse interesse em uma de suas obras.

Um ano antes, José Heitor havia participado do Salão Esso de Artistas Jovens, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Porém afirmando com determinação, crê que o encontro com o escritor foi o verdadeiro abrir portas para a sua arte.

José Heitor era amigo pessoal de Abdias Nascimento, ex-senador da República. Abdias sempre gostou do trabalho do escultor alemparaibano, tanto que, em 1967, levou-o para participar do 1º Salão de Artes Negras, no Museu da Imagem e do Som, promovido pelo Teatro Experimental do Negro. No Salão, expôs a obra “Simpatia Carrancuda”, que desfilara num carro alegórico da Escola de Samba Vem Amor, de Além Paraíba.

Abdias acabou indo para os Estados Unidos, e continuou o contato com o amigo Zé Heitor, tanto que em seu livro “Quilombismo”, diz: “José Heitor representa o autodidata e mágico criador; mais parece um artista tribal transviado em Além Paraíba. Cada peça que esculpe tem o compromisso do ato litúrgico e da função comunitária”. (Nascimento, 1980: 137)

Em 1969, José Heitor conheceu o psicanalista Carlos Fernandes Fortes de Almeida, que morava no Rio de janeiro e acabou se tornando o maior colecionador de seus trabalhos. Sorte ou destino? Talvez as duas coisas, afirma.

Ninguém conhece melhor Heitor do que ele mesmo. Sua consciência crítica é forte, não tem limites, e sua história é mais ou menos assim…

José Heitor da Silva nasceu em Além Paraíba, no dia 14 de novembro de 1937. Entretanto, no seu registro civil consta 14 de dezembro daquele mesmo ano, um mês mais tarde. Coisas que somente Miguel Silva, casado com Antonieta Higino Silva, poderia explicar. “Seu” Miguel, um ferroviário dedicado da Estrada de Ferro Leopoldina (EFL), leal aos seus inúmeros amigos, chefe de família exemplar, era o pai de José Heitor. Daí, Antonieta, que cantava no coral da Igreja Matriz de São José, sua mãe.

O garoto era travesso por demais e cresceu pelas ruas sem calçamento do bairro da Saúde, em Além Paraíba, jogando bola, soltando pipa, rodando pião, tomando banho nas águas perigosas do Rio Paraíba do Sul. Estudou no Grupo Escolar Dr. Alfredo Castelo Branco, na Ilha Recreio, e na Escola Profissionalizante do SENAI 6-1 que era mantido pela EFL, formando-se como Ajustador Mecânico, tendo como instrutor o sempre saudoso Wilson Basílio da Costa, segundo José Heitor seu grande mestre na profissão.

O futebol era uma de suas diversões favoritas, e chegou a se destacar no Esporte Clube Independente, depois no Bayne e São José, tendo atuado com grandes nomes do esporte bretão alemparaibano, como Miguel Peneco e Ziquinha.

Ingressou nos quadros da Estrada de Ferro Leopoldina em 1955, onde se tornou um perito na mecânica de freios a ar comprimido para locomotivas e vagões. Em 1964, casou-se com Nilda Pereira da Silva, e tiveram quatro filhos.

Suas ferramentas de trabalho na escultura são rudes, improvisadas e simples. Alguns formões que sempre preferia fabricar, cacos de vidro, pequenas serras, faquinhas, e, como sempre diz, outros apetrechos. Sua oficina, nos fundos de sua casa, na Vila Laroca, possui uma particularidade somente encontrada nos gênios: só quem entende a bagunça é o dono do espaço, no caso…

Certa vez, indagado de quantas obras já tinha esculpido afirmou que passava de 900, a maioria, cerca de 95%, espalhada Brasil afora e até mesmo no exterior. As obras “Prece da Pobre Gestante” e “Cabeça de Ídolo” estão em exposição permanente do Museu de Arte Negra de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Porém, a mais importante, tanto para ele quanto para todo alemparaibano, é, sem sombra de dúvidas, a “Carijó”, esculpida em 1989. Carijó era uma figura folclórica de Além Paraíba, de nome Adelaide. Vivia pelas ruas, errante, e era alvo de chacotas, brincadeiras e provocações da garotada. Ao gritarem seu apelido, “Sacode, Carijó!”, ela iniciava toda sorte de palavrões e pragas, arremessava pedras e ameaçava todos com sua inseparável sombrinha. José Heitor imortalizou essa personagem alemparaibana, em tamanho original, que terminou seus dias solitária no Asilo Ana Carneiro.

Outra peça de real importância na carreira desse magnífico artista é “Mundo Cão”. Quem conhece sua história, emociona-se. Trata-se de um bêbado estirado sob a proteção de uma marquise que tem a forma da cabeça de um cão. Quando esculpiu essa obra, isso com menos de 20 dias, Heitor era chegado aos efeitos do álcool (é membro do AA faz mais de 40 anos). Quando pronta, querendo tomar umas e outras, sem querer acabou promovendo um grande leilão na extinta e saudosa Churrascaria Cabana, que funcionava na Galeria Perácio, em Porto Novo.

Uma das testemunhas de tal fato é este que faz esta narrativa, Flávio Senra, editor do Jornal Além Parahyba, amigo de Heitor de longos anos que inclusive chegou a beber algumas com o artista com o produto da venda da obra. No leilão foi vencedor Dr. Roberto Curty Castelo Branco, um advogado e grande produtor rural de Além Paraíba, que arrematou a obra por um preço elevadíssimo.

José Heitor participou de incontáveis eventos culturais com suas esculturas, uma lista que certamente encheria linhas e linhas nessa narrativa. Peças e peças de sua autoria estão espalhadas Brasil afora, e entre colecionares particulares que as possuem podem ser citados: família do cineasta Humberto Mauro, família do agora saudoso Ziraldo, Laís Costa Velho, Delcy Ferreira Delphino, Edson Santos, Lina Marotta e outros. Citações sobre seu nome já foram feitas na Revista Galeria de Arte Moderna, Revista da RFFSA, Revista Correio dos Ferroviários, Revista Veja (Suplemento Rio), jornais Correio da Manhã, do Comércio, Diário Mercantil, e outros.

Na boa terra que o viu nascer, José Heitor da Silva ainda manuseia suas ferramentas quase que diariamente na sua oficina, nos fundos de casa. Naquele espaço recebe visita de amigos, admiradores, estudantes e curiosos pela sua arte. Ao lado de Nilda, fiel companheira há 60 anos, vive a relembrar os anos passados, as dificuldades e a conquistas que o tempo proporcionou, vivendo um dia de cada vez com certeza de que ainda tem muita água para passar debaixo da ponte.

José Heitor da Silva: um artista brasileiro, mineiro e alemparaibano com muita honra…