domingo, fevereiro 9, 2025
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OPINIÃO

O Pé-de-Meia e a burla do governo ao orçamento

Por Gazeta do Povo (*)

A disposição em gastar cada vez mais é uma constante no governo Lula, e não foram poucas as vezes em que alertamos, neste espaço, sobre o quão pernicioso é esse tipo de política, característica do lulopetismo, para o país. No entanto, esse problema ganha muito mais gravidade quando se considera que o mesmo governo pode ter optado deliberadamente por burlar as regras orçamentárias, permitindo o uso de recursos não previstos no Orçamento com o programa Pé-de-Meia, violando diretamente a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição Federal, conforme aponta análise preliminar do Tribunal de Contas da União (TCU).

Em decisão divulgada na última semana, que confirmou o bloqueio de R$ 6 bilhões do Pé-de-Meia, o TCU é claro ao expor indícios concretos de irregularidades na forma de financiamento ao programa, gerido pelo Ministério da Educação. Quando foi criado, no final de 2023, o Pé-de-Meia previa o depósito mensal de R$ 200 para estudantes do ensino médio, via Caixa Econômica Federal, com recursos de um fundo criado especificamente para esse fim, o Fundo de Incentivo à Permanência no Ensino Médio (Fipem). Para abastecer o Fipem, seriam usados recursos de outros fundos controlados pelo governo como os superávits financeiros do Fundo Social (que recebe dinheiro oriundo da venda de petróleo); verbas do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (Fgeduc), criado em 2009 como avalista de empréstimos tomados por estudantes do ensino superior no Fies; e do Fundo Garantidor de Operações (FGO), criado originalmente para garantir parte do risco dos empréstimos para empreendedores e profissionais liberais. O uso desses fundos para financiar o Pé-de-Meia já era previsto, mas o problema indicado pelo TCU está na forma como foi feita a transferência dos recursos entre os fundos.

Adotar qualquer tipo de estratagema para mascarar o caos das contas públicas e encobrir gastos acima do orçado jamais pode ser uma opção para um governo. O TCU precisa ser rigoroso na sua análise e, se houver irregularidades, deve aplicar as sanções previstas em lei

Os técnicos do TCU verificaram que, para os pagamentos feitos em 2024, o Pé-de-Meia usou R$ 6,1 bilhões reservados no Orçamento de 2023 para o Fundo Social e mais R$ 6 bilhões do Fgeduc. Este último valor, no entanto, foi transferido diretamente para o Fipem, sem passar pelo Tesouro e sem previsão no Orçamento de 2024. Na avaliação do TCU, embora seja possível fazer a transferência de valores dos fundos mencionados para custear o Pé-de-Meia, era necessário recolher esses recursos na chamada Conta Única da União, inserir a previsão de despesa na Lei Orçamentária e, só após a aprovação do Orçamento pelo Congresso, transferir os recursos para o Fipem.

Sem esse cuidado, alertam os analistas do TCU, haveria perda de rastreabilidade e transparência das contas públicas, e “expansão da capacidade de gastos do governo federal que ocorre à margem dos regramentos orçamentários e fiscais vigentes”, o que pode “afetar a credibilidade dos agentes econômicos em relação às contas públicas, haja vista que despesas típicas, que possuem características de transferência de renda, passam a ser executadas fora do Orçamento Geral da União e das regras fiscais vigentes” e ainda “patrocina mecanismo extraorçamentário de alocação de recursos públicos, com sensíveis reflexos sobre o orçamento e o conjunto de regras fiscais pertinentes”.

Na avaliação do TCU, vários dispositivos legais foram violados pelo governo federal com a manobra, como o Princípio da Universalidade Orçamentária e o Princípio da Legalidade Orçamentária, previstos na Constituição Federal, e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, especificamente o art. 26, que prevê que toda destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deve ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.

Não há como negar a gravidade dos fatos apurados até agora pelo TCU, nem como eximir o governo da responsabilidade pelo estratagema, caso ele seja comprovado. Trata-se de uma clara tentativa de burlar o orçamento, usando recursos não computados oficialmente para custear um dos principais programas sociais do governo Lula. Ainda que o TCU não tenha se pronunciado de forma definitiva e o governo possa tentar aplicar medidas para contornar ou amenizar a situação – o próprio TCU lembra que o Orçamento para 2025 ainda não foi aprovado pelo Congresso e o governo poderia tentar ajustá-lo para incluir os gastos com o Pé-de-Meia de 2025 e manter o programa em funcionamento – o que se evidencia até aqui é a total falta de compromisso do governo federal com a Lei de Responsabilidade Fiscal, disposição esta, aliás, que já tinha se desenhado antes mesmo de Lula assumir a Presidência, com a aprovação da chamada PEC da Transição, que deu permissão para gastos além do limite constitucional – e que nem assim foi suficiente para saciar a fome de Lula por gastar.

Mesmo podendo ter imperfeições, a Lei de Responsabilidade Fiscal continua sendo um dos mais importantes dispositivos legais para proteger o Estado dos maus políticos – aqueles que não têm nenhum respeito pelo dinheiro público. Exatamente por isso, qualquer tentativa de burlá-la precisa ser investigada a fundo, e, havendo provas suficientes de sua violação, os agentes públicos responsáveis precisam ser punidos exemplarmente – as punições possíveis são variadas e incluem até a possibilidade de perda do cargo público, como no caso do impeachment de Dilma Rousseff.

Ainda que seja necessário prosseguir na apuração dos mecanismos usados para o financiamento do Pé-de-Meia para determinar de forma definitiva o cometimento ou não de crime de responsabilidade fiscal, a gravidade da situação não pode ser minimizada. Adotar qualquer tipo de estratagema para mascarar o caos das contas públicas e encobrir gastos acima do orçado jamais pode ser uma opção para um governo. O TCU precisa ser rigoroso na sua análise e, se houver irregularidades, deve aplicar as sanções previstas em lei. Não pode haver tolerância com gastadores fora da lei.

(*) Editorial do Jornal Gazeta do Povo – 27/01/2025

Fonte: Gazeta do Povo