OPINIÃO
Governo quis liberar apostas para cobrar imposto, agora está vendo a tragédia
Por Alexandre Garcia
Um assunto que nunca me preocupou foi aposta. Nunca apostei na minha vida – melhor dizendo, nunca apostei em outras coisas, sempre apostei em mim. Sempre ganhei, e nunca perdi com dinheiro de aposta. Mas vejo que as pessoas mais pobres estão apostando na internet – eu me recuso a dizer o nome em inglês, porque estou no Brasil e o artigo 13 da Constituição diz que a língua daqui é o português. Mas são apostas digitais esportivas.
Estão dizendo que 20% das pessoas que recebem Bolsa Família estão apostando. Um em cada cinco, gastando dinheiro em apostas. Outros estão se endividando para apostar, pedindo dinheiro emprestado. E a maioria é de mais pobres também. Já houve até gente presa, gente de que eu nunca ouvi falar, não conheço e não tenho o menor interesse em conhecer, porque não creio que seja gente interessante.
O ministro Fernando Haddad fala nisso, o presidente Lula fala nisso, que é preciso dar um jeito. Mas ano passado fizeram uma lei no Congresso, que o presidente sancionou, regulamentando esse tipo de aposta digital esportiva, que está movimentando, aparentemente, R$ 20 bilhões por mês. Que maluquice é essa? E a Confederação Nacional do Comércio entrou no Supremo pedindo a suspensão da lei; a ação está com o ministro Luiz Fux. Vocês vão me perguntar: mas a CNC entrou no Supremo por quê? Com base em que artigo da Constituição? Pegaram o artigo 196, aquele que diz que saúde é direito de todos e responsabilidade do Estado, mas também estão dizendo que as apostas desviam dinheiro do comércio – no primeiro semestre foi R$ 1,1 bilhão –, fazendo com que as pessoas consumam menos porque estão apostando mais. Eu lembro de Delfim Netto almoçando comigo; ele me dizia, rindo, que quando tivesse uma diarreia processaria o Estado, porque a Constituição diz que saúde é dever do Estado.
Enfim, é incrível como as pessoas não pensam. Eu digo para as pessoas que jogam, que apostem em si mesmas porque vão ganhar sempre. Preparem-se, melhorem, qualifiquem-se, que vão ganhar mais e poupar o dinheiro da aposta. Mas a pessoa diz que não, que vai apostar e um dia ganha R$ 5 milhões. Pois é, deem uma olhada nesse pessoal que ganhou milhões, a infelicidade que ganharam também, o fim que tiveram, que triste.
Não é só pelo vício: jogo também é contravenção penal
E aproveitem e deem uma olhadinha na Lei de Contravenções Penais; vocês verão que jogo de azar é contravenção penal, e o artigo que fala disso define “jogo de azar” como todo aquele jogo cujo resultado dependa da sorte. Futebol, vôlei, basquete, natação não são jogos de azar porque dependem da qualidade do atleta. Até o turfe depende da velocidade do cavalo. Mas o próprio governo, pela Caixa Econômica Federal, banca jogo de azar. Aí dizem que é diferente, que uma lei que permite porque o dinheiro vai para organizações beneficentes. Mas está contrariando a lei mesmo assim.
Esse é o Brasil. Escrevemos as coisas, escrevemos a Constituição, tem cláusula pétrea, em que ninguém pode mexer. Como assim? Já mexeram muito, já rasgaram tudo. Estamos em 131.º lugar em segurança pública – eu estou aqui em Portugal, que está em 7.º lugar, onde você pode sair à rua a qualquer hora do dia ou da noite, botar o dinheiro na mão e o celular no bolso de trás, e vai ter 0,00001% de possibilidade de ser roubado. Mas o Brasil não está lá atrás só em segurança pública; está mal em segurança jurídica também.
Os exemplos do legado de Paulo Freire não param de chegar
Para encerrar, mais discípulos de Paulo Freire. Eu vejo aqui na agência oficial – ou seja, agência do governo – que “o Parque da Chapada dos Veadeiros foi fechado por conta de incêndios”. O incêndio vai apagar esse fechamento? A gente vai apagar o incêndio? A gente vai apagar o Paulo Freire? Certamente o jornalista quis dizer “por causa de incêndios”. Está muito difícil de ler jornal. Na prefeitura de Goiânia, li um jornal que dizia que “o chefe do Executivo estadual está apoiando tal candidato, mas o ex-presidente da República apoia tal candidato”; a reportagem segue falando dos candidatos, e no fim afirma que “o primeiro apoia Fulano, o segundo apoia Beltrano”. Eu já tinha me perdido, precisava ler tudo de novo para saber quem era o primeiro e quem era o segundo. É isso que estão ensinando nas faculdades? Não ensinam mais que jornalismo tem de ser claro, simples, objetivo?
Fonte: Gazeta do Povo