CAMPEÕES DIGITAIS – Nascida nas redes, ‘nova direita’ predomina no ambiente virtual
Políticos alinhados com pautas conservadoras lideram ranking de seguidores. ‘Apego institucional’ impediria maior participação do campo da esquerda.
Por Leticya Bernadete (*)
A atuação política nas plataformas de redes sociais extrapola o período eleitoral, sendo espaços para discussões e para conexão entre as figuras políticas e os eleitores. Um levantamento feito pela reportagem de O TEMPO mostra que, dos políticos mineiros em atuação com mais seguidores nas redes sociais, destacam-se os alinhados à direita. No Instagram, por exemplo, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) lidera com grande diferença dos demais, com 12 milhões de seguidores. Em seguida, dos parlamentares do Congresso Nacional, estão Maurício do Vôlei (PL), com 2,3 milhões, e André Janones (Avante), com 2,2 milhões, além do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), que conta com 2 milhões de seguidores.
Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o deputado Bim da Ambulância (Avante) conta com 1,1 milhão de usuários, que o acompanham no Instagram. Em seguida, está Bruno Engler (PL), que chegou a concorrer ao cargo de prefeito em Belo Horizonte em 2024, com 550 mil seguidores. O deputado Mário Caixa (PV) aparece em seguida, com 297 mil.
Enquanto, historicamente, grandes figuras políticas da esquerda surgiram de mobilizações nas ruas e movimentos sociais e sindicais, a “nova direita” começou sua atuação diretamente nas plataformas digitais, movidas, em especial, pelas manifestações de 2013, como explica o mestre em ciência política Lucas Zandona, professor da Estácio BH. Antes de se tornarem políticos, muitos atuavam como digital influencers, e dessa forma as atuações políticas deles continuaram a ser capitaneadas pelas redes sociais.
“Não eram políticos profissionais que abraçaram a rede social, muito pelo contrário, são pessoas que, a partir da rede social, fizeram a sua plataforma política. Nikolas Ferreira, Cleitinho e Bruno Engler demonstram muito isso”, exemplifica Zandona. “Na rede social, se você não tem uma bolha com milhões de seguidores, você não consegue vencer a urna eletrônica. Então, você tem que ter milhões para você conseguir o engajamento, e, mesmo tendo milhões, não significa que você vai ser efetivamente eleito”, afirma.
O cientista político e professor da UFJF Paulo Roberto Figueira Leal também aponta a diferença da formação das figuras políticas de esquerda e de direita como um fator que explica a maior atuação do segundo grupo nas redes sociais. Segundo ele, a esquerda possui um forte “apego institucional”, sendo os movimentos estudantis, por exemplo, celeiro de lideranças populistas.
“No âmbito da direita, há menos apego institucional, o que fez com que esses movimentos talvez pudessem, mais rapidamente e mais intensamente, mobilizar por vias não tradicionais”, diz Leal. “Grande parte das lideranças de direita não se forja institucionalmente, se forja no ambiente das redes, por exemplo, como podcasts, como YouTube”.
Canais permitem segmentar público
A predominância da direita nas redes sociais pode ser explicada pelo fato de que as plataformas permitem uma “hipersegmentação” dos públicos. A análise é da doutora em ciências da comunicação pela ECA-USP Issaaf Karhawi. De acordo com ela, diferentemente de meios tradicionais, como a televisão, cujo público-alvo é mais amplo, as redes sociais permitem direcionar anúncios a partir de microdados do comportamento do usuário, que vão desde curtidas a um tempo visualizando um vídeo. Com isso, as campanhas políticas podem atingir usuários com interesses semelhantes às mensagens que procuram passar.
“Cada um dos interesses dos usuários dentro das plataformas é convertido em dados”, explica. “A extração dos dados das plataformas permite uma hipersegmentação, permite construir anúncios sob medida para cada um dos usuários. E, se formos pensar em campanhas eleitorais, isso pode ser um benefício muito grande”. Nesse contexto, até o momento, os políticos conservadores têm sido mais objetivos em alcançar exatamente o eleitor com quem buscam dialogar.
Por outro lado, o funcionamento e a interação políticas pelas redes sociais podem resultar em alguns riscos, na avaliação de Paulo Roberto Figueira Leal, professor da UFJF. Conforme o cientista político, esses algoritmos tendem a criar bolhas e câmaras de eco, em que as pessoas são expostas apenas a opiniões semelhantes às que já possuem, limitando o contato com pontos de vista contrários. “E com frequência, esses espaços acabam estimulando as pessoas a serem muito agressivas com quem pensa diferente”, alerta o professor.
Políticos se adaptam às plataformas digitais
No contexto das discussões sobre a plataformização da política, entra, também, a atuação dos políticos nas redes sociais, considerando que cada figura tem pensado em formatos para se destacar nessas plataformas, conforme a doutora em ciências da comunicação pela ECA-USP Issaaf Karhawi. Esses personagens estão criando conteúdos que se encaixam nas tendências e estilos das plataformas, como vídeos virais, memes e músicas populares, adaptando-se ao que as redes esperam de uma “produção de conteúdo”, comportamentos que se aproximam do de influenciadores digitais.
“Se formos pensar no que é ser um sujeito influente, os políticos foram desde sempre, com ou sem plataformas. Então, é interessante olhar como é que muitos políticos têm transportado a influência que têm para o contexto das plataformas”, analisa Issaaf, que também é autora do livro “De Blogueira a Influenciadora: Etapas de Profissionalização da Blogosfera de Moda Brasileira”.
A comparação com influenciadores ocorre, inclusive, pela forma como muitos políticos estão construindo comunidades e interagindo com o público. A pesquisadora cita, por exemplo, a atuação da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) e do prefeito do Recife, João Campos (PSB), que é conhecido como o “Prefeito TikToker”, em referência aos seus conteúdos produzidos para a plataforma TikTok.
(*) Leticya Bernadete é graduada em jornalismo e mestre em
Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Fonte: Jornal O Tempo