OPINIÃO
O bêbado orçamentário e o equilibrista tributário
Por Paulo Penteado de Faria e Silva Neto (*)
A política fiscal do governo Lula 3 é um melancólico espetáculo circense, em que um bêbado orçamentário cambaleia, enquanto um equilibrista tributário tenta, à custa do aumento de arrecadação, manter a balança fiscal no prumo. Esta metáfora ilustra a situação desordenada de sua gestão das finanças públicas. Não se nega a relevância da busca pelo desenvolvimento social e econômico de um país cuja estagnação é desalentadora. Mas é questionável a capacidade de um Estado como o brasileiro – historicamente falível e adepto do capitalismo de compadrio – de atingir tais objetivos.
Desde o início do mandato, o governo tem adotado uma postura expansionista em sua política fiscal. O déficit público acumulado até outubro de 2024 chega a R$64,4 bilhões. Representa discreta melhora sobre igual período de 2023, mas um inegável agravamento em relação a 2022 – ano em que, a despeito do cenário de fim de pandemia, se atingiu superávit primário de R$ 54,1 bilhões, após 8 anos seguidos de déficit.
Fora da responsabilidade fiscal não há esperança de
salvação: meras boas intenções não alteram a realidade
dos fatos econômicos, que irá se impor sobre o conhecido
voluntarismo messiânico do mandatário da nação
De forma ainda mais preocupante, a dívida pública em relação ao PIB, medida crucial de sustentabilidade fiscal, dá sinais de deterioração – o relatório de acompanhamento fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI) denota uma curva perigosamente ascendente. Após queda até final de 2022 (71,7%), retomou-se o curso da irresponsabilidade fiscal ainda em 2023, atingindo-se 78,5% em agosto de 2024, com previsão de 80% até o fim do ano e viés de alta nos anos seguintes.
Como na canção de Aldir Blanc e João Bosco, imortalizada na voz de Elis Regina, “a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar” – mas, sob o atual governo, a eterna promessa subjacente do “espetáculo do crescimento” está à beira de um colapso. A perspectiva de investimentos em infraestrutura, saúde e educação deve estar atrelada a planejamento e execução orçamentários sólidos, sob pena de transformar tais iniciativas em um circo dos horrores. Fora de de uma política de responsabilidade fiscal não há esperança de salvação: meras boas intenções não alteram a realidade dos fatos econômicos, que irá se impor sobre o conhecido voluntarismo messiânico do mandatário da nação.
André Lara Resende defendeu, em 2023, que a realidade econômica estaria longe de um precipício fiscal, citando Nelson Rodrigues (“se os fatos não confirmam, pior para os fatos”). Mas, na linha proustiana de que o tempo é o senhor da razão, a borda do precipício chegou mais rápido do que a encomenda. Mais adequada ao cenário atual, assim, a frase de Aldous Huxley: “Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados”.
Essa situação remete ao conceito de Augustín Gordillo de involução da responsabilidade do Estado no plano interno: um ciclo vicioso de penúria fiscal, com aumento de tributos e sufocamento da economia, ao ponto de comprometer a arrecadação e inviabilizar o próprio gasto público. No limite, restará o recurso a empréstimos externos, até o esgotamento da capacidade de endividamento, e o derradeiro “remédio heroico” da moratória ou calote, podendo levar à “bancarrota total ou parcial dos Estados”.
O impacto do pacote fiscal na população e setor produtivo
Por outro lado, o equilibrista tributário tenta desesperadamente encontrar novas fontes de receita para cobrir o rombo orçamentário. É um equilibrista que, de venda nos olhos, “dança na corda bamba de sombrinha”. O problema é que, em cada passo dessa linha, pode machucar não a si próprio, mas ao Brasil. Nesse contexto, a reforma tributária, embora necessária, conduzirá a uma das maiores cargas fiscais (tributação indireta) no planeta. As demais alterações pós reforma, que podem atingir mais diretamente a tributação direta – longe de racionalizar e otimizar a política fiscal brasileira visando à competitividade e eficiência econômicas, deverão seguir a tradição de enfatizar o viés arrecadatório. O resultado é um ambiente tóxico de incerteza e apreensão, que desestimula investimentos e prejudica o crescimento econômico.
As alegadas tentativas de melhorar a redistribuição de renda são feitas de forma populista, em detrimento da sustentabilidade de longo prazo das contas públicas. As recentes propostas de aumento da carga tributária e desonerações, anunciadas em fins de novembro, são um exemplo do desacerto dessa direção. A isenção de impostos de renda até R$ 5.000, desatrelada de um estudo aprofundado dos impactos desse gasto tributário ou da viabilidade de medidas compensatórias, acarretará perda líquida de arrecadação e aumento do déficit.
Pacote de Fernando Haddad mira controle fiscal ou projeto eleitoral?
A falta de uma estratégia clara e coerente para o controle dos gastos e a geração de receitas coloca o país em uma trajetória perigosa e ascendente de irresponsabilidade fiscal. O aumento da carga tributária pode ter um efeito contrário ao desejado, reduzindo o consumo, o investimento(tanto privado quanto estatal) e a produção, e, por consequência, a arrecadação.
Em resumo, a burlesca visão do bêbado orçamentário e do equilibrista tributário simboliza a falta de coordenação e planejamento na política fiscal do atual governo. É urgente – embora improvável – que a gestão atual adote postura mais responsável, buscando um equilíbrio entre os gastos e as receitas, reconduzindo a trajetória da dívida ao caminho da sustentabilidade.
Essas medidas viabilizariam, de forma efetiva, o desenvolvimento socioeconômico sustentável e a retomada da confiança do mercado e da população. Somente enfrentando esse “rabo de foguete” – no qual ninguém no governo parece verdadeiramente querer colocar a mão –poderia o Brasil despir-se de um “brilho de aluguel”, recobrando seu rumo à prosperidade.
Paulo Penteado de Faria e Silva Neto, advogado e professor, é Master of Laws (LL.M.) pela Harvard Law School e mestre em Filosofia pela UnB, bacharel em Direito pela USP e em Administração de Empresas pela FGV-Eaesp.
Por Gazeta do Povo