sábado, abril 26, 2025
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Fux e Trump personificam a esperança de reviravolta no julgamento de Bolsonaro

Mesmo após virar réu na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deposita a esperança de eventual reviravolta no julgamento em duas figuras: o ministro Luiz Fux, que faz parte desse colegiado no STF, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Fux, apesar de ter acompanhado Alexandre de Moraes na votação unânime (5 a 0) para aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outras sete pessoas, citou divergências sobre penas excessivas a réus, citando a cabelereira Débora Rodrigues dos Santos, e indicou outras dúvidas.

Trump, por sua vez, emerge como o mais poderoso crítico da censura do Judiciário brasileiro, sobretudo de Moraes, por meio de manifestos de sua equipe de governo, iniciativas de aliados no Congresso e de ações na Justiça. Espera-se que sanções dos EUA a autoridades do Brasil forcem recuos efetivos do ministro do STF.

Bolsonaro e aliados têm denunciado as “cartas marcadas” do julgamento, apontando as restrições à defesa, uma atípica celeridade processual e a flexibilização de garantias legais. Mesmo assim, o processo avança sob a liderança de Moraes e apoio majoritário do STF para ser concluído em 2025.

Além disso, o ex-presidente também apostava que as manifestações das ruas em prol da anistia e os esforços da oposição no Congresso para levar o tema adiante levassem o presidente da Câmara, Hugo Motta, a pautar o projeto que prevê anistia.

Mas, até o momento, Motta não cedeu à pressão e tenta evitar embates com o STF. Aliados do presidente da Câmara ouvidos pela reportagem afirmam que ele “não se sentiu intimidado” pelos discursos na Paulista. Nesta segunda-feira (7), durante um evento com empresários em São Paulo, o deputado disse que o projeto da anistia não será resolvido com “desequilíbrio” e aumento da tensão entre as instituições da República.

“Não é desequilibrando, não é aumentando a crise que nós vamos resolver o problema. Não contem com este presidente para aumentar uma crise institucional”, afirmou Motta.

Divergência de Fux abre espaço para ao menos desacelerar o julgamento

A esperança de Bolsonaro dentro do STF brota do voto de Fux, que fez referência ao seu pedido de vistas do processo contra a Débora dos Santos, também na Primeira Turma, por participar dos atos de 8 de janeiro. Ele proporá a redução da pena dela, que foi reconhecida após pichar de batom “Perdeu, mané” na estátua “A Justiça”.

Moraes propôs pena de 14 anos para Débora, que ficou em regime fechado por dois anos, até a semana passada, quando o próprio relator cedeu às pressões e autorizou a prisão domiciliar, mas de maneira provisória. Fux avisou que revisará a culpa de cada réu conforme a circunstância e a própria “dialética” da Justiça.

Ainda no início do julgamento, no último dia 23 de março, Fux já havia questionado o fato de o caso ser julgado na turma e não no plenário da Corte. Ele ainda levantou dúvidas sobre a legalidade da controversa delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, base da denúncia.

Ao questionar a aplicação para todos os réus do 8 de janeiro das mesmas acusações – tentativa de abolição violenta da democracia, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombados –, Fux pode desacelerar o processo.

Michelle Bolsonaro fez apelo direto: “Luiz Fux, não jogue o seu nome na lama”

Durante o ato realizado no último domingo (6), na Avenida Paulista, em São Paulo, em defesa da anistia aos réus do 8 de Janeiro, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro fez um apelo direto ao ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em seu discurso, ela mencionou o caso de Adalgiza Maria Dourado, 64 anos, condenada a 16 anos de prisão, e aproveitou para enaltecer a integridade de Fux, sinalizada pelo desconforto com penas consideradas excessivas.

Nos bastidores do Supremo, o gesto da ex-primeira-dama foi interpretado como um movimento encorajado pela manifestação pública de Fux. “Luiz Fux, sei que o senhor é um juiz de carreira e não vai jogar o seu nome na lama”, disse Michelle, ao comentar as observações do ministro sobre o caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos. Sua fala ocorreu do alto do trio elétrico, ao lado de Jair Bolsonaro e dezenas de aliados políticos.

Michelle também citou o caso de Clériston Pereira da Cunha, conhecido como Clezão, que morreu na prisão à espera de julgamento, sem acesso ao tratamento médico necessário, apesar de alertas da defesa e parecer favorável do Ministério Público pela concessão de liberdade.

Também centrada na figura de Fux, aliados e simpatizantes de Bolsonaro viram nele nas últimas semanas uma chance de o ex-presidente recuperar seus direitos políticos em um recurso sob análise do ministro no STF, mas sem qualquer garantia de sucesso.

Está há um ano nas mãos de Fux o recurso apresentado pela defesa do Bolsonaro ao STF para anular a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, em 2023, tornou Bolsonaro inelegível por oito anos, em razão de uma reunião com embaixadores estrangeiros realizada em julho de 2022, na qual ele lançou dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro.

Pressões vindas dos EUA podem influenciar na postura do STF e da PGR

O STF sofre pressões de dentro e fora do país, a começar pela campanha pela anistia dos réus do 8 de janeiro, que mobiliza atores além da direita e da arena política. Já dos EUA vem a gestação de medidas que podem impor prejuízos pessoais e materiais a Mores e a outros membros do Judiciário.

É nesse contexto que se insere o autoexílio nos EUA do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do mandato. O “filho 03” de Jair Bolsonaro alega perseguição de Moraes e atua in loco para intensificar articulações com a Casa Branca e o Congresso americano visando sanções ao ministro.

A conexão entre políticos de direita do Brasil e dos EUA resiste aos ruídos gerados pela atuação de Trump desde sua eleição, em novembro de 2024, sobretudo por seu protecionismo comercial. A reação brasileira ao tarifaço obteve uma rara unanimidade de parlamentares da oposição e do governo.

O avanço rápido do PL da Reciprocidade no Congresso, projeto para permitir o governo retaliar barreiras tarifárias, respondeu ao pacote anunciado por Trump na última quarta-feira (2) contra vários países. “O Brasil precisa dessa ferramenta”, defendeu Tereza Cristina (PP-MS), relatora no Senado.

Especialista vê graves desafios para Bolsonaro reverter sua situação jurídica

O cientista político Ismael de Almeida avalia que a esperança de Bolsonaro de reverter a sua situação jurídica por meio de Fux e Trump enfrenta graves desafios. “O ministro mostrou cautela quanto às penas do 8 de janeiro, mas isso não significa que votará contra a condenação de Bolsonaro”, salienta.

“O STF funciona de forma colegiada e a decisão unânime da Primeira Turma (5 a 0) de aceitar a denúncia já indica um posicionamento consolidado dentro da Corte pela condenação do ex-presidente, tornando improvável que a posição isolada de Fux garanta novo rumo do julgamento”, explicou.

No cenário externo, o especialista vê nas críticas explícitas do governo Trump ao STF, sobretudo a Moraes, um fator de tensão na relação bilateral entre Brasil e EUA. Mas discorda que eventuais sanções contra Moraes e outros membros do Judiciário impactem o curso do julgamento de Bolsonaro.

“Mesmo que Trump use sua influência para pressionar o governo brasileiro, a independência entre os poderes e a força das decisões já tomadas no STF reduzem significativamente a eficácia dessa estratégia. Assim, a reação externa esperada por Bolsonaro terá efeito mais político que jurídico”, disse.

Trump evita um confronto direto com o Palácio do Planalto, opina professor

Para Daniel Afonso Silva, pesquisador de relações externas da USP, a investida da família Bolsonaro para angariar apoio internacional contra o ativismo judicial, sobretudo de Trump, pode sofrer frustrações diante do fato de o Brasil não figurar entre as prioridades do presidente americano.

“Os fatos mostram que o impacto da administração Trump para o Brasil tem sido cada vez menor, moderando atritos iniciais com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A Casa Branca está olhando para outros lugares, apesar do autoexílio de Eduardo Bolsonaro”, avalia.

Com isso, o professor não crê que Trump faça ingerências explícitas sobre o Brasil, embora a maioria dos analistas sublinhe a incerteza como aspecto central da atuação do presidente americano. “Ele [Trump] está ciente de tudo e evita confronto direto com Lula. Ao menos, por agora”, disse.

Apesar das explícitas críticas às barreiras brasileiras sobre importados dos EUA, o pacote de Trump no “Dia da Liberação”, na quarta-feira (2), foi ameno para o Brasil, cujos produtos sofreram sobretaxa de 10%, enquanto outros países também vistos como taxadores desproporcionais.

Fonte: Gazeta do Povo – Por Sílvio Ribas / Brasília